Meu pai e as 29 cartas de dezembro. Trilogia da despedida: Parte Final: Até breve Pai.

Bom dia, Pai.

Revisitar este dia 29/12/2016, será doloroso.

Sim, esta é a ultima das 29 cartas de dezembro.

Parte 1. Até breve Pai.

Estava em minha casa, no terraço, como sempre, fumando, era uma manhã normal, mas, algo, estava prestes a acontecer.

Mamãe bate no portão e eu digo que ela entre, pois, estava aberto, então, ela, fala:

Jiuseppe, seu pai, foi morar com Deus. Com uma calma que vinha de algum lugar, inexplicável.

Eu, instintivamente, aguardava, por isto, já, era previsto.

Falo com minha esposa, me arrumo e me dirijo a casa de um de meus irmãos, minha mãe estava lá na casa dele e recebe a ligação de minha irmã, dizendo que necessitava de documentos para dar andamento aos procedimentos, meu irmão, pega sua moto e vai para o hospital, minha mãe, outro irmão e eu, seguimos de carro, logo depois que mamãe passa em sua casa.

Dentro do carro estava um ar estranho, um silêncio muito fora do comum.

Chegamos ao hospital, mamãe paga o carro e segue praticamente correndo, em sentido ao elevador, meu irmão prefere andar em meu ritmo, já que como deficiente, não tenho aquele mesmo passo, adentramos ao elevador, um medo me toma, mas, nada falo, ao chegar no quarto daquela UTI, lhe encontro sem vida naquela cama envolto por um plástico e uma atadura que cobria seu queixo, suas mãos amarradas, olhos fechados e percebo um sutil algodão em cada narina, fico inerte, sem ação.

Eis, que chega, um profissional do hospital e pede para que possamos nos dirigir a capela que ficava no térreo, todos saem do quarto, ando mais devagar e fico para trás, mas, para fugir um pouco daquela situação me dirijo a lanchonete onde compro um café duplo e vou para capela, seu corpo já havia chegado, um de meus irmãos me aborda e fala:

Eu, já sabia! Mamãe está mandando papai levantar e parar de brincadeira (aquilo doeu demais).

Mas, quando entrei nada disso estava acontecendo, todos nós olhavamos o senhor naquela mesa, envolto pelo plástico, pego em sua testa, fecho os olhos e tento orar, mas, Pai, me perdoe, nada, me veio a cabeça.

Mamãe, então diz:

Sente Jiuseppe, você está passando mal.

Eu retruco:

Não, mãe, estou orando.

Chega o carro do Memorial Vale da Saudade, para conduzir seu corpo.

O rapaz, com bom traje e formal, porém, objetivo na abordagem, trata de imediato, apresentar opções para nós, confesso, que neste momento perdi o controle e sai da capela a pedido de mamãe.

Instantes depois, volto e chega a hora da condução, o rapaz retira um caixão do carro e coloca na posição exata para por seu corpo, meu irmão pede para lhe carregar nos braços pela última vez, mas, é auxiliado pelo meu outro irmão.

Quando vejo que o senhor já está na urna, vem o sentimento de despedida, no momento em que o rapaz fecha o caixão.

Vemos colocar o caixão com o senhor no carro e nos dirigimos para o lado de fora do hospital para aguardarmos o Uber, então, vejo passar pelo outro sentido da avenida o carro com o senhor dentro, isso, me parte o coração, um homem que já andou tantas vezes naquela avenida em pleno estado de saúde, naquele dia passava, dentro de uma urna, conduzido por um carro.

Minha irmã se avoluntaria a cuidar dos trâmites burocráticos, então, nos dirigimos, minha mãe, meu irmão e eu, para sua casa, chegando, vou em minha casa, me preparar para seu velório.

Quando volto para sua casa, me deparo com a notícia de que seu velório, ocorreria no dia seguinte, isto gerou desconforto, mas, ficamos em sua casa por alguns instantes e depois nos dispersamos.

Naquela noite, não consegui dormir e postei um vídeo me despedindo do senhor no YouTube.

Parte 2: Combati o bom combate, acabei a carreira e guardei a fé.

No dia 30, me dirigi a sua casa, no fundo, realmente não tinha certeza se teria forças para estar em seu sepultamento.

Chegou um irmão seu, do interior do estado juntamente com outras pessoas, familiares também.

Neste momento, o senhor fez uma falta tremenda, pois, sempre foi um excelente anfitrião.

Seguimos para o cemitério, fui no carro particular, de meu outro irmão, junto com minha cunhada, minha mãe e meu irmão dirigindo, fomos em comboio, pois, vinham mais carros logo atrás, que eram as pessoas da família do interior.

Quanto mais perto estávamos, mas, me sentia mal.

Porém, toda aquela imagem pesada de um cemitério que construí, foi dando espaço a um local, tranquilo, verde, quase que um sítio.

Dei alguns segundos no carro e sai, tinha um outro velório ao lado do seu, passei e logo vi o caixão, cheguei perto, olhei e lhe beijei, fiquei prostrado ali por minutos, beijei sua testa, já enrijecida e fria, olhos fechados e lábios que pareciam estar com cola.

Ao lado do caixão estava a coroa de flores que dizia:

Combati o bom combate, acabei a carreira e guardei a fé.

Lá, tinha uma sala, com bolachas, biscoitos, chá e café, por um tempo lágrimas caiam em silêncio, numa tristeza contida, percorri até o local onde seu corpo foi sepultado e bati umas fotos, era um buraco, com laterais de cimento e pequenas madeiras, talvez para não arranhar o caixão, tudo estava programado para acontecer das 12 às 16 horas.

Sento no assento mais próximo do caixão e noto que chega um irmão de minha mãe, ela, não tarda e se dirigi ao caixão e desaba em lágrimas dizendo:

Meu velho, eu, menti, não estava pronta pra te deixar ir, meu coração, está contigo, aquilo doeu tanto, pai, dói ainda de lembrar.

O irmão dela a retira e a leva para sala das bolachas.

Meu irmão relembra, então, algumas histórias vividas ao seu lado e chora.

Neste momento me sinto só, totalmente deslocado, não levei a esposa e os meus filhos para não passarem por tudo isto.

Mas, me senti pequeno e só.

Essa cena da minha mãe se repetiu muitas vezes e me partia o coração.

Até que chegou a hora final, confesso que não recordo em detalhes, mas, lembro, das palavras do capelão e das músicas cantadas.

Lembro que minha mãe pouco antes de fechar o caixão, prometeu ao senhor a união da família e até que todos nós seu filhos, deram as mãos e dissemos:

Um por todos e todos por um.

O carrinho conduziu seu caixão e minha mãe já andava apoiada pelos ombros de um de meus irmãos.

Assim, foi o dia 30.12.2016

Um fato, pai, eu, casei no dia 30.12.2006.

Bem, como, já me comprometido, esta é a última carta e minha última homenagem.

Peço a Deus que ele tenha lhe amparado na sua chegada, peço paz para seu espírito e agradeço demais por ele ter me dado o senhor como pai.

Te amo pai, um dia nos encontraremos e até lá, apenas...

Te amo.

Fim.

In memorian de Jonas Cordeiro do Nascimento.

*21/09/1945

+29/12/2016.

Veja a homenagem que dediquei a ele no YouTube.

https://youtu.be/2nU3SH6Vqgw