Cartas para Ana (Carta de despedida)

Querida Ana,

é na madrugada que os corpos se encontram, temerosos, apressados e cheios de desejo. Bem sei que não devo desejar a mulher do próximo, querida. Mas nos teus braços eu não temo as chamas do fogo eterno de que falavam os sacerdotes. Sobre o meu corpo, o teu me protege. De onde tiramos tanta coragem?

Nada me faz mais feliz do que o prazer que é estar contigo, uma vez por mês que seja. No calor do teu abraço eu encontro abrigo. Que hipócrita eu seria, se não admitisse tudo o que sinto demasiadamente por ti. Para além do desejo carnal, sei que há algo que nos une. Não ouso dizer que é amor, porque do amor, minha querida, pouco sei. Aliás, o que sabes tu sobre o amor?

O laço que nos une, Ana. É o mesmo nó que nos prende e fere? Por quanto tempo mais ficarei aqui a esperar que todos aqueles que nos atiram pedras, percebam que sem ti eu nada sou? Minha querida Aninha, sinto a cada dia que eles, os inimigos da nossa união, conseguem nos distanciar mais e mais. Embora eu saiba que tal união represente perigo ou afronta aos demais, sinto que é dever nosso lutar para que estejamos juntas novamente. Ainda tenho forças para lutar por nós.

Emagreci uns três quilos desde a última vez que nos vimos. Os poetas tem sido a minha única companhia, meus dias têm sido confundidos com a noite. Voltei a fumar e a beber. Toda essa tentativa vã de voltar a minha mente para coisas “desimportantes” afeta de forma negativa todas as outras coisas.

A culpa de toda essa mudança não é sua, Ana. Mas também não é minha. Fomos extremamente responsáveis e discretas em todas as nossas decisões, mas quem poderia imaginar que alguém descobriria o nosso casinho? Não vejo outra saída para esta situação, senão ficar aqui presa no meu mundinho de coisas desimportantes até que tudo se resolva naturalmente.

Eu sei que a tua dor é diferente da minha, mas sei que ela existe. Não negarei por um só dia a minha admiração por ti, mas nesse instante prefiro manter-me afastada. Não escreverei até encontrar uma forma de trazê-la de volta para o nosso sonho de olhos abertos. As garrafas de bebida barata, as carteiras de Marlboro e os poemas que tanto nos descrevem me farão companhia e me ajudarão a encontrar uma saída para toda essa confusão em que me encontro.

Não encare isso como uma despedida, preciso apenas pensar um pouco, refletir sobre mim, sobre você, sobre a vida e os próximos acontecimentos. Li a sua carta com os olhos cheios de lágrimas, cada palavra era como uma punhalada. Engoli a saliva com entalo na garganta, mas acredito que seja necessária essa ausência. Será bom para nós.

Com o coração despedaçado,

Sara.

Izabel Reinaldo
Enviado por Izabel Reinaldo em 14/12/2017
Código do texto: T6198639
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