Missiva para um velho ano.

Boa noite Borboleta,

Ainda vejo dor no fundo de minha retina quando olho na profundidade de meu reflexo. O tempo passou e cicatrizou os cortes deixados em minha alma. Curou a superficialidade, embora as memórias, o sofrimento, o abandono, a solidão ainda estejam tão presentes. Vejo tantas pessoas procurando alguém que as ame como eu a amei e por ironia do destino estou aqui escrevendo uma carta para uma pessoa ausente que jamais voltará. Hoje realmente não sei mais o que fui em tua vida...uma distração? Um consolo? Um passar de tempo? Talvez eu tenha sido o teu tempo de cura, o teu tempo de respiro, o teu tempo de calmaria depois de uma longa e violenta tempestade. Quando o horizonte clareou em tua vida, certamente não precisavas mais de mim, do meu amor, da minha presença em tua vida. Nem como homem, nem como amigo, nem como conhecido. Tornei-me talvez aquele estranho de quem já não se lembra mais. Uma escrita à lápis no verso de uma fotografia que se apaga com o passar dos anos. E muito provavelmente já encontrastes um novo alguém, um novo amor para chamar de teu, alguém que esquente teu coração, teu espírito e tua cama ao mesmo tempo. E eu? Tornei-me meramente descartável, como um copo de papel da Starbucks, amassado depois de sorvido o líquido, sem maior serventia, lançado ao lixo do esquecimento. Cumpri meu papel em tua vida e dela fui removido, devendo apenas resignar-me. E como eu queria, como eu queria encontrar com tanta facilidade essa resignação. Simplesmente seguir em frente, lançando-me à novos braços em busca de felicidade, prazer, acalento para as noites frias. Mas tudo o que consigo fazer, depois de tantas noites, é ainda e simplesmente escrever contigo em meus pensamentos. Desabafar o amor ou desamor que me consome por anos sem findar. Te amando, te odiando, te amaldiçoando, te esperando. Quanto desencontro...quantas pessoas como eu, com o coração partido, derramando lágrimas por quem já não está mais na mesma sintonia. Como seria bom ter um interruptor para simplesmente desligar esse sentimento, interromper o fluxo, impedir a continuidade dessa melancolia que suga energia e a perspectiva de um porvir melhor. Porque eu sei, sei que deveria ter o direito de me ressignificar, de me reinventar, de me descolar dessa paixão âncora que me mantêm aprisionado no fundo de um oceano infinito, libertando-me para encontrar uma outra pessoa que queira trilhar uma nova jornada comigo, alguém que realmente queira estar de mãos dadas comigo, por eu ser quem sou, nem mais e nem menos. Mas ainda sou um Corvo engaiolado, que não mais canta, perdido na tristeza dos dias, enquanto bates tuas asas em outro jardim. E tudo que eu tenho, além do silêncio são as poesias onde abro meu ser para encontrar alguma luz capaz de iluminar minha escuridão. Mais um ano termina do mesmo jeito que iniciou, com meu lamento e minha falta de esperança. Talvez somente isso tenha me restado, ser arauto de palavras que vagam por um universo de leituras anônimas e olhares distantes.

E tudo o que posso dizer é: fica bem e sejas feliz.

Ass: O Corvo que já foi teu, um dia.