Carta de Joaquim Nabuco a Machado de Assis - Falecimento de Carolina
NABUCO A MACHADO
Londres 17 de novembro de 1904
MEU CARO MACHADO,
Que lhe hei de dizer? Morrer antes de V. foi um ato de misericórdia que a Providência dispensou a Dona Carolina. A viúva sofre sempre mais, às vezes tragicamente. No seu caso a imaginação, o interesse intelectual, o trabalho é um ambiente que permite em parte à dor a evaporação excessiva. A solução do dilema inevitável foi a melhor para ambos: coube a V. o sofrimento, V. compreenderá que o vácuo do coração precisa ser compensado pelo movimento e pela agitação do seu espírito. Será este o seu conforto e a maior dívida da nossa língua para com o túmulo a cuja sombra V. vai se acolher.
Quanto sinto, meu caro amigo, não estar ao seu lado. está, porém, o Graça. Coitado! que triste volta a dele: o seu luto e a moléstia do Veríssimo. Fico ansioso por notícias deste. O telégrafo anuncia-nos também mortes e ferimentos no Rio de Janeiro. Eu que julgava passada para a República a crise das convulsões!
Adeus, meu caro Machado,
creia-me sempre muito sinceramente seu
JOAQUIM NABUCO
Do livro: "Machado de Assis & Joaquim Nabuco - Correspondência", org., introd. e notas Graça Aranha, ABL/Topbooks, RJ, 3ª ed., 2003
*********************************************************
Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1904 (**)
RESPOSTA DE MACHADO DE ASSIS:
Meu caro Nabuco,
Tão longe, e em outro meio, chegou-lhe a notícia da minha grande desgraça, e você expressou a sua simpatia por um telegrama.
A única palavra com que lhe agradeci é a mesma que ora lhe mando, não sabendo outra que possa dizer tudo o que sinto e me acabrunha. Foi-se a melhor parte da minha vida e aqui estou só no mundo. Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados tinha comigo; mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. Éramos velhos, e eu contava morrer antes dela, o que seria um grande favor; primeiro, porque não acharia a ninguém que melhor me ajudasse a morrer; segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das saudades, e eu não tenho nenhum. Os meus são os amigos, e verdadeiramente são os melhores; mas a vida os dispersa, no espaço, nas preocupações do espírito e na própria carreira que a cada um cabe. Aqui me fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina.
Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la.
Irei vê-la, ela me esperará.
Não posso, caro amigo, responder agora à sua carta de 8 de outubro; recebi-a dias depois do falecimento de minha mulher, e você compreende que
apenas posso falar deste fundo golpe.
Até outra e breve; então lhe direi o que convém ao assunto daquela carta que, pelo afeto e sinceridade, chegou à hora dos melhores remédios. Aceite
este abraço do triste amigo velho
Machado de Assis
__________________
(**) Carta de Machado de Assis a Joaquim Nabuco, em resposta à carta sobre o falecimento da esposa
Fonte: http://rosebud-rose-bud.blogspot.com/2007/02/uma-carta-de-machado-de-assis.html
NABUCO A MACHADO
Londres 17 de novembro de 1904
MEU CARO MACHADO,
Que lhe hei de dizer? Morrer antes de V. foi um ato de misericórdia que a Providência dispensou a Dona Carolina. A viúva sofre sempre mais, às vezes tragicamente. No seu caso a imaginação, o interesse intelectual, o trabalho é um ambiente que permite em parte à dor a evaporação excessiva. A solução do dilema inevitável foi a melhor para ambos: coube a V. o sofrimento, V. compreenderá que o vácuo do coração precisa ser compensado pelo movimento e pela agitação do seu espírito. Será este o seu conforto e a maior dívida da nossa língua para com o túmulo a cuja sombra V. vai se acolher.
Quanto sinto, meu caro amigo, não estar ao seu lado. está, porém, o Graça. Coitado! que triste volta a dele: o seu luto e a moléstia do Veríssimo. Fico ansioso por notícias deste. O telégrafo anuncia-nos também mortes e ferimentos no Rio de Janeiro. Eu que julgava passada para a República a crise das convulsões!
Adeus, meu caro Machado,
creia-me sempre muito sinceramente seu
JOAQUIM NABUCO
Do livro: "Machado de Assis & Joaquim Nabuco - Correspondência", org., introd. e notas Graça Aranha, ABL/Topbooks, RJ, 3ª ed., 2003
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Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1904 (**)
RESPOSTA DE MACHADO DE ASSIS:
Meu caro Nabuco,
Tão longe, e em outro meio, chegou-lhe a notícia da minha grande desgraça, e você expressou a sua simpatia por um telegrama.
A única palavra com que lhe agradeci é a mesma que ora lhe mando, não sabendo outra que possa dizer tudo o que sinto e me acabrunha. Foi-se a melhor parte da minha vida e aqui estou só no mundo. Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados tinha comigo; mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. Éramos velhos, e eu contava morrer antes dela, o que seria um grande favor; primeiro, porque não acharia a ninguém que melhor me ajudasse a morrer; segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das saudades, e eu não tenho nenhum. Os meus são os amigos, e verdadeiramente são os melhores; mas a vida os dispersa, no espaço, nas preocupações do espírito e na própria carreira que a cada um cabe. Aqui me fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina.
Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la.
Irei vê-la, ela me esperará.
Não posso, caro amigo, responder agora à sua carta de 8 de outubro; recebi-a dias depois do falecimento de minha mulher, e você compreende que
apenas posso falar deste fundo golpe.
Até outra e breve; então lhe direi o que convém ao assunto daquela carta que, pelo afeto e sinceridade, chegou à hora dos melhores remédios. Aceite
este abraço do triste amigo velho
Machado de Assis
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(**) Carta de Machado de Assis a Joaquim Nabuco, em resposta à carta sobre o falecimento da esposa
Fonte: http://rosebud-rose-bud.blogspot.com/2007/02/uma-carta-de-machado-de-assis.html