CARTA PARA O MEU ANJO - I
São Luís, 19/10/2005.
Rafaelle, meu anjo.
Esta é a primeira de uma série de cartas a você destinadas. Cartas que são uma radiografia do meu coração e da minha alma. E, para mim, não há mais nada apropriado do que você conhecer um pouco mais a respeito da minha vã filosofia.
Sempre desejei desenvolver minha habilidade epistolar desde que li, pela primeira vez, “As Relações Perigosas”, de Chordelos de Laclos. Eu tinha, então, 17 anos. Trata-se de um romance totalmente composto por missivas, ambientado no fim do Antigo Regime (França), que descreve a planejada sedução de uma jovem ingênua e de uma esposa virtuosa, bem como a ruína previamente anunciada das duas.
Como um crítico literário amador (e um relutante historiador da literatura — também amador), sei muito bem que os romances epistolares precisam de um público específico. Em primeiro lugar, o leitor deste tipo de livro deve ser alguém sem preconceitos em relação ao que lê... e saber que este gênero não constitui uma novidade saudosista entre as tantas que vêm caracterizando este novo século.
Um dos maiores sucessos literários do século XVIII, o romance “A Nova Heloísa”, de Rousseau, é totalmente epistolar. Assim como “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, e como aconteceria com outro livro de que gosto muito, “As Viagens de Gulliver”, de Swift. Porém, outro romance no qual o autor usou e abusou (no bom sentido) de cartas e diários (não há confundir os dois) e que muito também influenciou-me a escrever cartas é “Drácula”, de Bram Stoker. Publicado em maio de 1897, a obra-prima de Stoker projetou o vampiro-título para a fama internacional, e até hoje tem sido assim.
O que é fascinante neste livro — o que salta aos olhos do leitor mais atento — é que o famoso conde é uma personagem ausente no princípio. Ele só irá aparecer quando Jonathan Harker chegar ao castelo. E há todo um clima de suspense envolvendo a história, até ocorrer o encontro. Mas o ponto forte mesmo do livro é a sua estrutura, em forma de documento construído com base em cartas, recortes de jornais e trechos de diários dos personagem que combatem o vampiro, dando à história a marca documental do realmente acontecido.
E aqui estou eu, Rafaelle, escrevendo cartas. Você gostará delas. Tenho certeza.
Um beijo.
N.