CARTA PARA A PESSOA AMADA
Amor, tudo bem? Embora saiba que não, que tudo está nublado, meu coração, depositado em esperanças, insiste que sim, que tudo esteja bem com você. O céu daí deve estar como aqui, opaco, seco, cinza. Mas a gente vê cor até quando ela inexiste.
Sinto muito por ter permitido que as coisas chegassem nesse ponto. Não queria, não queríamos… mas cochilamos demais, desdenhamos muito de coisas sérias, de gente que parecia apenas idiota útil e que depois se mostrou mais útil que idiota, pelo menos para fazer o serviço sujo deles, os opositores. Mas a gente insistia em acreditar que a história é plana e retilínea. E ela provou que não é uma coisa nem outra. A história, meu Amor, se alimenta de restos. Como os urubus. E sua fome é de ciclos, retornos, períodos fraturados, cismas, de tempos contidos. A história – agora sabemos – não perdoa inocentes, ela os violenta e os traga, como um canibal insaciável. E nós já estamos entredentes.
Perdoe! Não queria que minhas palavras soassem ácidas. Não gostaria mesmo de estar contaminado pela fuligem dos dias ruins, mas tenho que dizer que a vida agora parece não permitir mais as metáforas. Estamos de volta às cruezas, sem direito às figuras da linguagem. É tudo direto, olho no olho, dente no dente, como naquele testamento antigo, antes dos tempos revolucionários do amor. Aliás, meu Amor, observe que seu nome foi tão falado que banalizou. De tão comentado, de tão citado nas páginas, bocas e canções, seu nome agora é uma abstração que ninguém entende ou pratica.
Amor, resista! E se for para morrer, para morremos, que seja mirando dentro dos olhos do inimigo, para que quando partamos, fiquemos grudados em suas retinas e eles não possam dormir um dia sequer sem que se lembrem da gente.
Me despeço agora pois a luta exige que se volte pras ruas.
Fique com meu beijo quente. Te Amor desde sempre, e ternamente. Seu,