CARTA A RUTH

Ontem, querida, a esta hora, a tarde decadente

Trançava laivos de ouro e sangue no ocidente;

E na larga amplidão do firmamento

O bailado de luz era um deslumbramento.

—Uma poeira de fogo ardia no ar sereno

E o zéfiro agitava os ramos, brando e ameno.

—Lembrava-me de ti . . . Lembrava do dia

Em que, vibrando de longe um som de “Ave-Maria”,

Eu te olhava e dizia, em meu poema de amor,

O que me significa a tua vida em flor:

“Tu és o Encanto

Que, em música rimada, agora exalto e canto,

De uma vida de dor, de amargura e de pranto.”

“ Tu és o Albor

Da madrugada, após uma noite de Horror.”

“ Tu és a água

Que dissipa o travor da minha grande mágoa”

“ Tu, amor de minha alma e alma de meu amor

—Tu, que és minha alegria,

E tu, que és minha Dor,—

“Tu é o jato de luz com que um farol distante

Abre, na noite escura, o mar ao navegante!”

“Tu , para mim querida, és tudo neste mundo:

O objeto e o resplendor de um afeto profundo,

E o fausto divinal da própria Natureza,

Que é p reflexo de Deus, na glória e na beleza!”

“Seguindo o meu caminho, olhos fixos no Norte,

Numa imensa tristeza, esquálido e arquejante,

Eu levo na retina a ardente e deslumbrante

Imagem deste amor, que há de vencer a Morte!”

“Pois um dia, afinal, repousarei na terra . . .”

“ Mas no negror da tumba eterna que me aterra,

Irromperá de meu coração,

Qual flama rúbida de um vulcão,

Iluminando-me assim, querida,

O misterioso Horror que há, lá no além da Vida.”

Olivério Lopes

Olivério Lopes
Enviado por Miguel Toledo em 28/10/2017
Reeditado em 02/11/2017
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