CARTA A RUTH
Ontem, querida, a esta hora, a tarde decadente
Trançava laivos de ouro e sangue no ocidente;
E na larga amplidão do firmamento
O bailado de luz era um deslumbramento.
—Uma poeira de fogo ardia no ar sereno
E o zéfiro agitava os ramos, brando e ameno.
—Lembrava-me de ti . . . Lembrava do dia
Em que, vibrando de longe um som de “Ave-Maria”,
Eu te olhava e dizia, em meu poema de amor,
O que me significa a tua vida em flor:
“Tu és o Encanto
Que, em música rimada, agora exalto e canto,
De uma vida de dor, de amargura e de pranto.”
“ Tu és o Albor
Da madrugada, após uma noite de Horror.”
“ Tu és a água
Que dissipa o travor da minha grande mágoa”
“ Tu, amor de minha alma e alma de meu amor
—Tu, que és minha alegria,
E tu, que és minha Dor,—
“Tu é o jato de luz com que um farol distante
Abre, na noite escura, o mar ao navegante!”
“Tu , para mim querida, és tudo neste mundo:
O objeto e o resplendor de um afeto profundo,
E o fausto divinal da própria Natureza,
Que é p reflexo de Deus, na glória e na beleza!”
“Seguindo o meu caminho, olhos fixos no Norte,
Numa imensa tristeza, esquálido e arquejante,
Eu levo na retina a ardente e deslumbrante
Imagem deste amor, que há de vencer a Morte!”
“Pois um dia, afinal, repousarei na terra . . .”
“ Mas no negror da tumba eterna que me aterra,
Irromperá de meu coração,
Qual flama rúbida de um vulcão,
Iluminando-me assim, querida,
O misterioso Horror que há, lá no além da Vida.”
Olivério Lopes