Carta para me lembrar como era escrever uma Carta
Querida eu,
não me lembro mais como era escrever uma carta. Por isso estou escrevendo esta.
A última que escrevi ainda não sabia escrever. Era pequena demais, ainda analfabeta nas letras mas capaz no amor. Desenhava.
Era pro meu primeiro menininho que havia me chamado a atenção. Ainda no jardim de infância. Luis Felipe. Tinha pele morena e uma pintinha negra no lado direito do rosto. Chegou num dia quente, não queria entrar, se debatia, se segurava contra as extremidades da porta, a professora teve de empurrá-lo. Meu gosto pelos tímidos começou cedo.
Enfim, meu pai trabalhava no banco e uma tia dele também trabalhava no mesmo banco. Eram amigos. Trocávamos cartas assim, desenhos enviados por parentes, durante as férias que nos colocavam longe.
A sua pele era morena e quente. Sempre sentava ao seu lado quando fazíamos a roda de todas as manhãs, para começarmos o dia cantando. Esbarrava meus cotovelos contra os dele durante as músicas, delirava por dentro.
Para poder sentir sua pele durante as férias, quando suas cartinhas ilustradas chegavam, eu as colocava ao sol, como banhistas na praia. O papel ficava quente que nem seu corpo, e eu as encostava contra meu rosto e meus lábios. Refletiam o brilho do sol contra meus olhos, quase me cegavam.
(rascunho)