CARTA A UM POETA
Como definir a arte de não dizer nada e de dizer tudo?
De deixar vir a tona a matéria subterrânea e depois querer fugir de sua
lava estonteante? Daí você se assustar... quem sabe... ou sentir medo
de se ver revelado nas entrelinhas das linhas cuspidas e irreprimíveis,
quando a hora soa e se faz tarde e só nos resta chorar e tentar dormir.
Poesia para poetas é seiva em combustão latente esperando a hora do
cochilo da serpente da razão para se esgueirar, derramando-se como
vertente fértil e avassaladora. Dramatizei demais? Talvez, entretanto
nada como fazer a sagrada alquimia da transmutação do sofrimento em
alucinação e êxtase.
Ah, esta tua fonte me assusta às vezes como se em dado momento algo
inesperado e assustador pudesse sair de ti. Nunca parar de vir, tu dizes,
mas... sim, pois não é melhor do que parar e criar mofo?
Existir é movimento vibração. A paz não instiga, não oportuniza a
criatividade. Os momentos mais criativos parecem ter ocorrido sempre
em tempo de conflitos e instabilidades. Nós mesmos, poetas,
precisamos de inspiração para melhor escrever e isso subentende
conflito, luta, descompassos e sentimentos exacerbados. Nem que seja
por poucos instantes, "na hora do estampido", quando transpomos a
barreira de tudo que nos prende ao chão e criamos asas.
Te vi muitas vezes tranfigurado assim em palavras. Um abraço nesta tua loucura abençoada.
Post scriptum
E como é interessante a amizade entre pessoas que escrevem pois
neste mundo em que ela acontece, no mundo das palavras escritas, a
pessoa e o poeta terminam se confundindo e são infinitas as
possibilidades de leituras que tu e eu podemos fazer um do outro.
Alguém me disse isso certa vez, assim como o leitor recria o texto, eu
aqui te lendo te recrio e te construo como homem, como ser humano,
te dou a face a partir do que sinto, te coloco até asas de anjo, um anjo
poeta, e isto é bonito não?
Em 24 de agosto de 2011
tania orsi vargas