Carta à Depressão

Cara Depressão,

Fechando o cerco ao meu redor, você me sufoca sem nem me tocar. Traiçoeira, você começa sorrateiramente subindo pela perna, rastejando pelas costas, cravando suas garras nos ombros e sussurrando ao ouvido, perfidiosa e peçonhenta. Não faço ideia do que você diz, mas mesmo sem te ouvir, tuas palavras mudas me atingem à distância. E justamente por não saber o que você diz, não posso vencer o teu debate, inocular teu argumento. Como se vence sem saber atacar? Só posso te assistir de longe, zombando de mim pelas costas de cada uma das pessoas mais preciosas da minha vida.

Você começou pela minha avó, depois pela minha mãe. Veio com tudo logo de primeira, não facilitou, veio derrubando portas, tomando espaço! Quebraste a coluna mais forte do meu templo e ele quase desmoronou. Mas com muito esforço ela se manteve de pé, ferida, maculada, com pedaços faltando, irrecuperáveis, mas de pé.

Aos meus melhores amigos você chegou aos poucos, a passos lentos, sem fazer barulho, e como quem não quer nada instalou-se nos ombros deles e acenou para mim. Oi amiga, estou aqui, sentiu saudades? E eu senti outra coluna começar a tremer.

Mesmo nunca tendo me tocado, você me atingiu de um modo que nunca me fará te esquecer. Cravou-se na minha história em um entalhe doloroso, rasgando a pele, cutucando feridas, como uma coceira chata, um episódio triste que não tem final, uma fotografia borrada.

Pior, você continua aí nos ombros dos outros, mas quem será o próximo?Um dia, quem sabe, eu olhe por cima do meu próprio ombro e veja você sorrindo para mim. Puxa, você me pegou, como eu previa. Tudo bom, como vai?

Mas não pense que vou deixar você ficar aí confortável. Sinto muito, mas meus ombros estão ocupados apoiando aqueles que você cansou de tanto lutar. Volte outra hora, sim?

Terás que arrancá-los de lá e, no dia em que conseguir, eu sorrirei-te de volta e você saberá que a luta apenas começou. Uma visitante indesejada como você deveria saber se retirar, mas já que insiste, a tratarei com a mesma cortesia com que tem me tratado. Espero vê-la em breve, mas não se apresse.

Atenciosamente,

Uma vítima indireta.

Ingrid Flores
Enviado por Ingrid Flores em 28/08/2017
Código do texto: T6097446
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