Carta para ninguém
..não leve a sério meus nuances poéticos e exageros de expressão em que me salto de mim mesmo para dizer que não lhe esqueço, mesmo sem estar a pensar em ti, quando ausentes estamos um do outro, e que se sumo eu também sumi de mim. É um deserto que suga a alma, se recolhe, se perde numa árvore de sentimentos e ideias entrelaçadas num antagonismo eterno, e o mundo um reflexo de minhas sensações secas, estagna no meu ser a visão de um ser-desértico...
Sinto, às vezes, quando começo a pensar em ti, quando já estamos uns dois dias sem nos falarmos, que me preocupo automáticamente se você está sentindo minha ausência como algo que lhe falta, negativo, que não põe sorriso, mas tira-o dos lábios, fico inquieto olhando para o celular, pensando se lhe digo algo; e me torno ainda mais pensativo, pois somos espontâneos e quando nos falamos somos mais leves, naturais, e criar esse momento sem naturalidade seria para minha sensibilidade um embaraçoso não-saber-o-que-falar, e ler-te dizendo: tu não tá afim de papo, né? E aquilo me doer - por quê? E que nada terei a dizer senão coisa nenhuma... nem qual a resposta seria verdadeira.
Sou como um cácto, não sei ser, ter a beleza da retidão dos sentimentos, sou conturbado, quando me dói a vida eu quero apenas ficar quieto; meus espinhos é quando fico estranho aos seus olhos, distante, esquecido e frio; o deserto se torna companhia até que um dia eu lhe dê flores vermelhinhas.
Digo isso tudo para não dizer: "não me deixe ir, ou seja, não me esqueça, tenha paciência e me espere, eu sempre voltarei a ti como um passarinho para cantar em seus jardins."
Meu tempo é alongado, e meus sentimentos estendidos num deserto sufocante; eles lentamente percorrem a atenção da minha consciência vazia, que sempre me pareceu que senti mais lento, bem mais lento do que todos...
..és um simbolo no enigma dos meus sonhos, pois já não vejo como me tornei neste outro que sou agora, que por dois dias sem falar com você já se sente uma pequena distância, quase como um exagero, de mil anos de existência. Mas, ora! não era assim antes, quando foi que nos tornamos outros que agora sentem dois dias distante, as vezes com um embaraçoso clima silencioso no ar.
Quando começou?
Torno na minha vida todo ser uma imagem do que sinto... este é meu espinho na consciência: me sinto só com o mundo dentro, só quando o meio-dia me ilumina e o olho luminoso encurta as sombras do espírito, é que volto para ti de raios flamejantes, pois tu não deve andar nos meus desertos, uma Flor não deve se queimar no sol escaldante do meu tédio de mim mesmo. Para ti, só reservo meu Oásis...
Será que ainda existe medo neste coração, de ficar sem alguém para banhar-se nas suas águas doces? Ninguém para poder alegrar, iluminar... Que solidão estranha, cheia.
Ah, perdoe-me a ambiguidade, não falo nada com nada só para dizer que não te esqueço, e se sumo eu também sumi de mim...