BALAIO DAS LEMBRANÇAS

(a Yasmin, preciosa)

Fizeste com que eu chorasse, querida conterrânea! Marearam-me os olhos frente à magia dos quadros e diante do mimoso gesto.

É assim, somos tão duros no dia-a-dia, mas a beleza é comovente! A emoção, esta chama impalpável e poderosa, da qual nunca poderemos fugir, dá-nos a impressão difusa do que é o espiritual, de sua inexplicabilidade racional.

Nunca se sabe de onde provém. Nunca se sabe, ao certo, onde e quando nasce, só nos resta conviver com esta sensação de apertura no peito e a cara de bobo quando se está diante do espelho. Aliás, é só a este que a gente tolera, acidentalmente. Ao pressentirmos que nos olham, ficamos sem jeito, escondendo-nos de não-sei-o-quê.

Agradeço o belíssimo tratamento virtual dado aos meus poemas, no teu sítio de sonhadores, como denominas aos teus sitiantes. Tudo tão bonito e meus pobres versos imantados de arte e sedas. Talvez mereçam esta voltinha pelo Oriente. Logo me lembrei do clima que esta parte do mundo inspira, fruto do som mavioso que servia de pano de fundo, agregado às imagens.

Diziam-me, na infância de guri pobre, que só a leitura propiciava grandes viagens! Estou aqui – bobo – vendo som e imagem enchendo minhas retinas, e lembrando o Arroio Pepino da infância, onde eu pegava caranguejos, entre a lama e os aguapés, a alegria desenhada no rosto. O desespero de minha mãe e meus pés travessos.

Ali, na água suja, praticando a vida simples, me iniciei nos seus mistérios, quando os girinos viravam rãs e as larvas escondiam borboletas.

Memórias de sol, suor e chuvas, o olho do tempo rutila suas pupilas.

Agora ocorre com a Internet novo sortilégio, o de poder caminhar sobre o vácuo, escrever, pintar sem papel, pincéis ou tintas, num átimo de segundo, arroubos de técnica e beleza. Perspectivas de que teremos bom futuro para o espírito humano, sempre necessitado do Novo.

Desenho um imenso coração só pra tentar retribuir o amor de amar que me emprestas. Garatujo a lágrima, sal do agradecimento.

E só te vi uma vez pessoalmente! Mas foi o bastante pra saber que tens a rarefeita mania de embrulhar a felicidade no som e nas mantilhas do calor humano. É bom ser feliz por osmose.

Eu me gratifico pela possibilidade de conseguir chegar à Arte, por vezes, e de saber que estou sendo útil a alguém que refaz este mundo para o mais suportável, ampliando os redutos de amor.

Penhorado, amiga tão amada, revejo o teu coração bondoso, limpo, e até acho que o saldo produziu poesia!

Que condenação a lágrima se tornar palavra! Tão poucos a entendem como válida para o século XXI!

- Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Poesia e a Prosa, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/60463