CARTA À SOLIDÃO

Querida solidão, peço-te desculpas por romper de forma tão abrupta,

É que eu já não suportava mais deitar-me à cama com você,

Lembro das noites em que me olhava em silêncio,

Sem consolar as lágrimas que molhavam o travesseiro,

Sua pele fria fazia tremer o coração,

As lâminas de sua presença rasgavam as asas dos meus sonhos,

Que com medo, aninhavam-se escondidos do amanhã,

Você, teimosamente seguia meus passos sem ser convidada,

Estava lá, nas ondas daquele mar em que buscava refúgio aos pensamentos,

Estava lá, nas entrelinhas de cada poema, olhando por de trás da porta,

Estava lá, em cada banho, sob a pele enquanto a boca sorria para disfarçar,

Estava lá, nos acordes de cada música, na luz fraca do entardecer.

Contigo eu reguei as flores com minhas lágrimas,

Contigo eu perdia o brilho dos olhos enquanto admirava as estrelas,

Contigo eu alimentava as dores e meus abismos aumentavam.

Querida solidão, peço-te perdão se eu fechei as portas para sua presença,

Nunca foi minha intenção que isso se prolongasse até o fim dos meus dias,

É que enquanto você me olhava dormir, eu sonhava em cores, em segredo,

Sabe, as noites que eu esvaziava as taças e cantava, não era um brinde a você,

Era apenas uma vã tentativa de fazer do coração uma ilha onde seu barco não pudesse ancorar,

Mas você parecia deslizar nas linhas do vento, invadindo fronteiras,

Querida solidão, eu te escrevo pelo respeito, pois contigo aprendi,

Que na agrura do tempo a paciência é o farol que guia ao cais,

Longe dos seus vendavais, encontrei motivo ao meu sorriso,

No espaço de sua ausência, abri minhas portas ao amor,

Querida solidão, peço-te desculpas por romper de forma tão abrupta,

Mas é com grande alegria e longe dos antigos pesares que te digo adeus.

Sem você as flores cresceram em um jardim de risos,

Sem você os olhos brilhavam feito as constelações no auge da madrugada,

Sem você fiz sobre o abismo uma ponte, e do outro lado deparei ao amor.