NOSSO SONHO - A CARTA QUE NÃO ESCREVI em 2015
PARTE I
Querida Mãe, descrevo-me enquanto escrevo-te deitado e enfermo nesta cama que resulta da sua transcendente essência e dai justifico a minha fraca e constante insuficiência de palavras sublimes, mas não podia deixar de exteriorizar o que encharca-se-me.
Desde a minha partida em busca da realização do nosso sonho, a saudade fez seu pátio em meu peito e por meio de fundações mais profundas que os poços de petróleo de Palma, que já aglutina espiadelas insensatas de irmãos e amigos, ergueu sua casa no meu diminuto coração. Repito querida, “NOSSO SONHO” porque foste tu que me ensinaste a olhar pra o mundo como hoje o vejo e, não vou culpar-te pelas dificuldades que por aqui passei para alcançar a primeira etapa do tangível sonho, porque entendo que estes são episódios que aos poucos vão fazendo parte daquele passado que a gente lembra com tristeza mas agradece o aprendizado, pois é do extremo da dificuldade que eu superintendo que ainda não rocei o limite das minhas capacidades.
Assim curvado em reconhecimento, lembro-me que a confiança depositada em mim influenciou nas decisões doutrora e incentivou a separar-me das ricas margens do rio que em 1948, Vasco da Gama aportou e batizou-o como dos “Bons sinais”. A terra das bicicletas (mesmo sem fábrica de acessórios no mínimo), da mucapata, do coco que escasseia e da galinha cafreal à zambeziana, para ser inquilino nas margens do Rio Chiveve. Eis-me na cidade das rotundas, onde o mestre Malangatana Valente Ngwenha em 1970 pintou a pictórica obra Vovo Chipangara na então galeria de cultura e arte, que hoje chama-se Casa da Cultura Provincial de Sofala situada no alçado posterior da casa dos bicos. Orgulho da cidade.
Querida, aqui nas terras da emblemática estação ferroviária cuja construção foi concluída em 1966, nesta cidade que foi desenvolvida pela Companhia de Moçambique no século XIX, eu sou apenas mais um soldado do exército em busca de vida, em cada batalha travada neste campo aberto, e muitas vezes, fui inventos para esquivar das balas (adversidades resultantes de ser visitante) projetadas em todas direções. É verdade querida, aqui eu sou um pássaro sem ninho que vive entre abrolhos na liberdade e libertinagem que a solteirice proporciona a um jovem na flor da idade como eu, cuja ambição é desfrutar de todas paixões sem se preocupar com o amanha porque este, sem dúvidas, é o único jeito encontrado para evadir-me da dolorosa lembrança que tenho dos meus amigos noutras margens e da minha infância.
Mucapata: é um prato típico da província da Zambézia em Moçambique.