A vez que escrevi a mim mesmo

A prisão é exclusivamente física. Esse invólucro material corpóreo nunca nos impediu de embeber-nos no mais âmago devaneio metafísico. Essa exposição brutal de nossa alma a tais forças mundanas e banais não nos impede de inebriar-nos na discussão e no debate,ora metódico e técnico ora risível e petulante. O pensamento consciente foi fragmentado à medida que agentes hegemônicos canonizaram nosso atual sistema de dominação e entramos na dita "confusão dos espíritos" que submete o mais esclarecido ser ao papel de patife aturdido. E é das nossas pequenas patifarias que gargalhamos ao som de Racionais ou de Wagner,da nossa expressiva hipocrisia cotidiana,do nosso pseudo viéis humanístico, que mais parece ser humanitista. Admiradores atentos de Jesus e avessos às expressões tartufas dos falsos cristãos,conversamos sobre a vida,da profana à espiritual,sobre energia e sobre os encantos e desencantos da vida terrena. Lembrei das nossas madrugadas tecendo comentários sobre paixões e lembrando das vezes que nossos amores tornaram nossa existência um pouco menos insípida. E da vez que achamos em Kant que somos objetos da nossa própria pesquisa. Ou da vez que vimos as contradições de classe no processo histórico marxista os nossos próprios choques e embates internos. Ou aquela vez que eu você tomanos coca-cola,comemos pipoca e rimos com a dublagem de Titanic—até falamos que era uma metáfora,como se antevisse o colapso da sociedade europeia na guerra. Sim,nós rimos bastante.

Rindo de lutas perdidas,a gente sobrevive expostos a esse lixo todo.

Você tem todos os meus erros. E eu não o condeno. Aliás,eu o amo.

À minha face dionisíaca,do seu admirador atento e saudoso companheiro,

A alma fustigada.