Carta de uma quarta de ausência
Já estou aqui sentada em minha escrivaninha a espera do Jornal da Globo, seguido de Jô soares, para uns ídolo, para outros insuportável. Confesso nem saber mais se tal programação é exata, visto pelo fato de que desde que sinto tua ausência, evito qualquer que seja o fato, lugar, música, rosto ou cor que te lembre, mesmo eu querendo te ter apenas numa lembrança de cor, música e vinho seco, claro.
Hoje é quarta, poderia ser a quarta nota da partitura em clave de fá, a quarta poesia do livro de Clarice Lispector, a quarta do nosso Rock, a quarta música do Pink Floyd, que por sinal tínhamos uma só nossa, a quarta vez que te veria de novo, a quarta de um quarto do que sinto por você, a quarta caneta que falha ao traçar esse bloco de papéis reciclados. A quarta vírgula desta carta e desse meu vício virgular que tento corrigir desde o Ensino Médio. Quem sabe poderia ser a quarta do quarto amor vivido, ou a quarta do quarto que nos amávamos, porém hoje é quarta da quarta-feira da semana que mais te senti e te clamei em prantos.
Eu poderia ter mil acasos dos nossos casos pra não te escrever, anônimos irão criticar-me por dizer que não mereces minhas preces belas e tão sensatas palavras de versos desta carta, mas aquela minha velha e tão arcaica teimosia insiste, como sempre ela insiste e dessa insistência é que talvez tu tenhas partido sem me dar nenhum sinal qualquer, apenas um ultimo “eu te amo e nunca irei te esquecer”.
Confesso que me lembro exatamente como nesta quarta feira, que apesar de não ser de carnaval é ingrata, da dor da partida, da hora exata e da noite assombrada que foi aquela. Corri para tomar um porre no bar da esquina na esperança de quem sabe a dor partisse, não só pudi tomar porres de tequila, como também de café, como sempre costumo dizer que aprecio-os em meus escritos numa tentativa as vezes um tanto frustrada de ser poeta. Porque talvez se poeta fosse eu de verdade, tocaria teu coração e tu voltarias como uma pena no vento ao meu encontro no entardecer.
Não voltaste, não ligaste, não respondeste. Não desse nenhum sinal sequer a respeito de meu amor e de minha saudade a ti. Apenas me desse teu silêncio tão ríspido, porém mesmo assim ainda te dedico minhas letras e as minhas cartas que hesito escrever-te, mesmo sabendo que não devo. Ora, mas quem é um “não” frente a um grande amor? Nem nos meus poemas inventados achei a resposta.
Enfim, afinal de contas, quero apenas que saibas que ainda hesito esse amor, mesmo o sendo apenas de minha parte, porque de tudo que restou, tenho apenas um doce e sincero sorriso de uma lembrança outrora de que vivi um quarto e toquei a quarta nota no meu piano branco de calda, do amor de minha vida combinado com essa rima sem compasso de uma quarta-feira de saudade. Apenas eu te lembro como cor, música e vinho seco de onde a safra o mais doce de você extraía: teu sorriso.
Prometo enviar-te assim que essa tempestade de areia em meu coração passar, afinal ando desconfiando de tudo que atreve-se a dizer: coração.
Marinara Sena
27/10/2016
00:20 Am