Meu lixo

Perdoe-me minha amiga, por tantas vezes em que peguei minha sacolinha de lixo e joguei sobre você. Tenho feito tanto isso, não é mesmo? Mas é que na verdade, você está sempre tão acessível, disponível, tranqüila, alegre, gargalhada fácil, falastrona por demais e isso nunca me permitiu ver a enorme caçamba que está atrás de você. Vou até você e jogo o meu lixo só mesmo para esvaziar a sacola, porque no fundo eu não quero mesmo mudar, nem mesmo me livrar totalmente dele pois eu preciso dele pra viver. Vou jogando minhas queixas, fazendo meus eternos queixumes e reclamações...

Ah, reclamar... Como eu gosto de fazer isso. Vou jogando em você e percebo que sua fisionomia vai se fechando, ficando pesada e triste então fico bem ao ver que alguém sofre comigo.

“Oba, já não estou mais sozinha com minha mazela, com minha raiva da fulana ou do cicrano. Alguém está sentindo o mesmo que eu!”

Jogo tudo em cima de você e vou embora leve, não por ter me livrado do lixo, mas por saber que agora alguém também está curtindo-o comigo.

Perdoe-me por não querer nem mesmo ouvir nenhuma das sugestões que você tenta me dar. É só começar a falar que já enfio logo a mão na sacola e tiro um:

_ Não dá...

_ Nem adianta tentar, você não conhece a peça!

_Você me conhece, não vou fingir...

_Não consigo perdoar.

_ Não tem nem como conversar...

Pra falar a verdade eu vivo do meu lixo e não quero me livrar dele só quero distribuí-lo. Quero que você sinta a mesma raiva que eu sinto por aquela pessoa naquela hora.

Então reclamo...reclamo...reclamo... E você me ouve.

Perdoe-me por não ter lhe contado, nem mesmo lhe mandado um zap falando que eu já tinha me acertado com a pessoa e que estava tudo bem entre nós. Encontramos outro dia e ela me disse que você estava “diferente” com ela, só então percebi que sua estranheza com ela vinha do meu lixo que deixei em seu coração.

É amiga, eu não vi a sua caçamba. Eu não vi a quantidade de problemas com os quais você lida diariamente. Mas também não é culpa minha. Quem manda você ficar esfregando em nossa cara esse riso permanente, essa calma e leveza toda, esse brilho no olhar, essa fé inabalável, essa certeza de que tudo está certo? No fundo, bem cá no fundinho, acho que sentia inveja de você, mas depois que conheci um pouquinho do que você passa, não sinto mais, ou talvez ainda sinta só que de outra forma. Como pode alguém viver o que você vive e continuar com toda esta placidez e força?

Pedir perdão a você é a única maneira que encontrei de juntar meu lixo que joguei ai e tentar incinerá-lo dentro de mim. Eles são meus e não vou mais “matar” ninguém em seu coração.

Obrigada por sua amizade!

Izis Lima
Enviado por Izis Lima em 25/10/2016
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