Uma vida em um ano
Desejando ou não, houve uma história.
Desejando ou não, um ano que foi uma das vidas que vivemos ao longo de nossas existências.
Um ano cheio de sentimentos intensos, de entregas, de medos, de solidariedade, de solidão, de lágrimas, de raiva, de desrespeito, mas também de amor e carinho.
Não sei dizer quem foi mais adolescente e mais adulto durante essa vida, mas acredito que ambos tenhamos sido os dois papeis. Eu fui pai, vc foi pai. Eu fui uma criança e um adolescente perdido, vc também foi.
Criei uma realidade por um medo e deixei de ver a poesia que vc sempre quis me mostrar. Deixei de agradecer e virei um velho ranzinza antes do tempo. Deixei de dizer que te amava e ao invés disso bati em seu rosto. Deixei de te abraçar e virei o rosto deixando seu sentimento como indiferente. Por mais que eu sofria calado, o meu orgulho movido por um medo excessivo criava razão e raízes cada vez mais profundas.
Lembro quando eu desenhava as curvas do seu corpo, do seu rosto, como se fizesse isso pela primeira vez. Quando eu mostrava meu lado frágil e uma alma desesperada para não ser enganada. Criei uma realidade e se ela existiu foi porque de um lado foi alimentada e de outro como um desejo que deveria ser realizado.
Criamos uma rua pavimentada em ouro e mesmo não sabendo o que aquilo significava, busquei decorar para tirar um sorriso do seu rosto, mas talvez o verdadeiro conteúdo eu tenha aprendido somente nesta data. Nascemos para morrer algumas vezes e a cada morte tornáva-mos mais amargos. A rua foi se tornando perigosa, escura, sem vida... dessa vez não havia luz ao final do túnel. Estávamos mortos e negando nossa morte: jamais poderíamos ser salvos ou nos salvar.
No início vc era meu cantor de jazz e eu seu líder cultural, mas eu não sabia disto. No início estávamos na mesma melodia, vc pela arte que sempre lhe fez sensível e eu pela razão que apontava para alguma certeza. Ao invés disto nos fazer aproximar, foi-nos afastando.
Eu buscava explicações racionais para cada gesto, cada palavra, cada sentimento e fiz errado. Vc tinha medo e deixou a sinceridade de lado muitas vezes.
Nem mesmo eles poderiam nos parar. Fomos fracos. Ambos. O sabor de canela foi desaparecendo.
O que fica em minha mente são os momentos que tive certeza em estar sendo amado. Mesmo com tudo, houve amor e isso me deixa com um nó na garganta.
Eu estava no inverno da minha vida e vc precisava ser aquecido também. Quando queríamos um abraço, nos agredíamos.
Jogamos vídeo game e vc me ensinou que destruir uma cidade com um carro era divertido. Me ensinou a gostar da poeta que inspirou este texto, mesmo eu sendo chato falando que ela era deprê. Fez a melhor tapioca que já comi, para mim e a todos que estavam sempre por perto. Fez eu gostar de uma série que nunca teria sentido para mim e até de uma cantora que passei a admirar pela potência real em sua voz.
Eu estava no inverno da minha vida, desesperado, inseguro e aquilo que eu mais amava poderia me deixar por eu não estar fazendo nada.
Eu tinha uma guerra na minha mente e o medo venceu. Então eu corri. Fugi e deixei vc ir também. Nos abandonamos. Foi o certo? Talvez. Talvez aquela história que minha mãe nos contou - sobre o único amor da vida dela - tenha se repetido. Ainda que estejamos distantes um do outro, a poesia nos seguirá para sempre.
Ainda que lancem um cd que ninguém encontrava mais, eu daria um jeito para arrumá-lo. Mesmo sem dinheiro e percorrendo uma grande distância.
Tínhamos o remédio que cada um precisava, mas como tudo na vida, o excesso pode matar. E nos matou neste um ano de vida que tivemos.
Ainda que não queira jamais me olhar de novo, digo que uma vez que o amor nasce ele jamais deixa de existir. Ele pode ser mascarado por raiva, mas ainda quando ela existe, é porque o amor tá ali em algum lugar.