Em ti.
São Paulo, 11 de março de 1922
Olá.
Não sei o que fazias quando esta carta surgiu aos teus olhos. Posso apenas imaginar uma ou outra expressão, mas ninguém pode ter certeza do que o tempo ainda não desenhou. Mas já que estás a ler, poderias se sentar. Escolhas um bom lugar, talvez o lado esquerdo da parte superior da cama, o que achas?
Não quero preocupar-te, o que desejo nesta epístola não difere tanto das outras poucas que tu já deveras esqueceste ou sequer chegaste a ler. Tua memória não me parece fiel. E é por temer o esquecimento que te escrevo. As palavras eternizam as pessoas e o tempo.
Não me apresso, só para que possas sentir-me, para que percebas meus dedos trêmulos de tantas tentativas amassadas e jogadas debaixo da escrivaninha, que é o melhor lugar de se jogar os sonhos, só para que notes que o que eu peço que se lembre está aqui mesmo que eu não revele.
Não entendo da vida, mas compreendo que ela pede escolhas imediatas e que estas enterram as outras opções. Desconheço tuas andanças, tuas decisões, o que faz de ti o que és. Desconheço quem tu és. Mas tu agora estás a reconhecer-me, a abrir minhas memórias, a escutar meu coração que disputa com o teu um lugar para morar.
A este ponto tu já entendeste tudo: esta carta é uma porta que tu fechaste, talvez, e como, não sei, precioso colocá-la diante de ti para que te tire o sono e acorde os sonhos. Quero, aqui, que tu respondas, com lágrimas, o que fizeste de mim, em que instante da tua vida tu vendaste os meus olhos, aonde tu me perdeste.
Em tuas mãos estão, de novo, as minhas letras. Faz delas um livro ou uma fogueira.
P.s.: encontre-me dentro de ti.