Carta ao pai
Hoje eu tive vontade de falar, mas estava naquele segundo andar, olhando de cima a cena inacreditável da despedida do Mathias repleta de amor e espanto. Acho que muitos tinham vontade de dizer alguma coisa mas estavam sufocados de emoção, de abismamento, choque ou tristeza ou tudo junto.
Me ocorreu de comparar a situação, com o medo que eu tenho de voar de avião. Do perigo dos acidentes. Da violência de um desastre desse. Me assusta o esforço (imaginário) impressionante de um aviao cheio de pessoas subir e ainda atravessar um oceano inteiro. Daí as pessoas sempre usam o argumemento das probabilidades. Que estatisticamente as chances de um avião cair sao mínimas.
Mas o que eu penso sempre que estou numa cabeceira de pista prestes a decolar, e na subida, e voando propriamente, e descendo e pousando, é: por que não há de acontecer comigo, se acontece com os outros?! Quem perdeu a vida e passou o susto e os instantes de solidão da morte num acidente, embarcou num avião da mesma forma que eu.
Então, ali do alto de onde eu estava, olhando para voces todos, senti a dor de perder um filho, um irmão, ou neto, sobrinho, primo. E como te escrevi outro dia, por mais que eu sinta a dor de vocês, sentir dor junto, soma, não divide, não diminui. Ver de longe o Mathias lutar até o fim, e não ter conseguido, é confirmar que sim, o avião de todos nós pode cair.
Foi o teu Mathias. Mas poderia ter sido um filho meu. Filhos que cresceram juntos.
É essa a dor e o espanto que provavelmente não deixou que outras pessoas falassem palavras de despedida para ele hoje.
Não parece fazer sentido as partidas prematuras e então passamos a acreditar em algumas justificativas que suavizem o aburdo dessas ocorrências. Porque é preciso continuar e fazer o melhor com a vida que temos. Vida única, breve, e com absolutamente uma única certeza. Essa de hoje, muitas vezes numa ordem inesperada.
Cada dia é precioso.