Cartas para minha netinha!

Cartas para minha netinha!

Valentina,

O vovô tem uma notícia triste para você.

Juro que não tive culpa.

Eu atropelei a Perdida!

Foi ontem.

Eu fui para a fazenda quinta feira. Chegando lá, o peão me disse que, andando pelos pastos, viu a Paloma passeando no vizinho. Gritou com ela e ela desconfiada correu para traz e ele viu por onde ela passou. Uma pororoca caiu sobre a cerca arrebentou dois fios e bambeou os outros, deixando livre o caminho para a fujona. Aí nós combinamos de no outro dia, que foi ontem, ir lá fazer o reparo. Foi o que aconteceu. Depois que tiramos o leite, eu preparei para fazer o queijinho que você gosta. Coei o leite, pus sal, tornei a coar, pus coalho, misturei deixei descansando, enquanto arrumávamos as ferramentas para irmos consertar o estrago da natureza, por onde a danada da Paloma estava a fugir. Antes de sairmos, cortei a coalhada que mais tarde vai virar o queijinho branquinho e maciinho que só o vovô sabe fazer para você!

Nós fomos. Ela foi também.

Não demorou muito. De longe, a Paloma observava, sabendo que teria que arranjar outros meios para se aventurar por este mundo de meu deus!

Gritei para voltarmos. A Perdida, teimosa como só ela, você ainda não sabe, correu na frente da caminhonete, no dizer dela, apostando para ver quem chegaria primeiro. Dei partida e fui indo devagarinho, por causa dos buracos e solavancos. Ela, toda faceira, corria e olhava para traz, até sumir de vista. Fui indo. A ponte bem ali na frente, reduzi para entrar, porque é ponte de fazenda, que atravessa o ribeirão e, ao mesmo tempo, é mata-burro, as vigotas são espaçadas deixando um buraco por onde se vê o abismo. Assim as criações, mesmo o burro, que não é burro, não passam temerosos de ali cair.

Foi isto. Eu acho, ela não me contou. Ela chegou na ponte viu o profundo do abismo e teve medo. Parou. De cá, de dentro da caminhonete, não consigo ver, ser tão pequenino, extasiado, medroso da imensidão do universo e aí... volto a jurar, não foi culpa minha... atropelei a Perdida.

Ela gritou desesperada, não sei se de dor, ou de pena de deixar prematuramente, este mundo tão deliciosamente caótico.

Freei. Corri lá. Abaixei e vi a cena chocante: a Perdida sob o pneu da caminhonete pendurada, desfalecida, a cair pelo buraco da ponte.

Voltei, dei ré e ela rolando barranco a baixo, saiu gritando, gemendo, xingando, acho, os nomes que só eu sei entender...

Valentina, a Perdida não morreu. Você acredita que ela nem deixou eu pegar ela no colo e por na carroceria, tamanha é a teimosia... voltou mancando para casa. Hoje quando vim embora ela não quis saber de correr atrás. Vamos ver quanto tempo vai durar...

Ah!, fiz três queijinhos para esperar você.

Tchau. Vovô.

Joao dos Santos Leite
Enviado por Joao dos Santos Leite em 27/08/2016
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