PEDAÇOS DE MIM

Em uma linda paisagem florida e misteriosa, observei um lugar secreto, quase imperceptível, mas não havia nenhum mago ou uma fada me mostrando qual caminho seguir. Nesse momento conheci a dúvida, e mais tarde descobriria o que a imposição de sua presença representaria em minha vida.

Em um momento desse caminho perdi um pedaço de mim, uma dor que era incapaz de compreender, me aquietei e segui, mas a dor estava lá, pouco a pouco me ferindo, então decidi guardá-la em um baú, aquele de madeira escura e empoeirado, aparentemente seguro, mas que apenas camuflava as minhas recordações, meus sentimentos e emoções mais profundas.

Lá estava ele, o baú, no armário, escondido para que ninguém percebesse e revelasse seu conteúdo, mas eu sabia, apenas eu conseguiria resgatá-lo de tempos em tempos.

Então quase no princípio da primavera, estação encantadora, as flores começavam a perfumar a vida e aquele lugar misterioso já não me perturbava mais, as flores enfeitavam tudo, inclusive ele.

Eu vivi intensamente sem lembra-lo por lindas e maravilhosas cinco primaveras, sorrindo e sentindo o perfume inebriante de cada flor em meu caminho. O amor verdadeiro meu deu as mãos e eu segui sem olhar para trás.

Ironicamente aquela mesma estação tão bela e florida, que me trouxe a felicidade e todo o seu encantamento também me levou embora em um dia de chuva, o grande amor da minha vida. Minhas lágrimas, confundidas com a chuva fina de setembro, escondia a minha dor, então camuflei meus sentimentos, disfarcei meu ódio, abafei meu luto e guardei tudo no mesmo baú, empoeirado dentro do armário. E com uma capa imaginária me vesti, e me estranhei, olhei no espelho uma mulher forte, invisível aos olhos de quem realmente poderia me ver. Assim eu segui meu caminho novamente.

Aquele lugar secreto, ainda estava lá, eu sabia que nele estava a origem de todos os meus medos, agora a morte era o maior deles. Por vezes eu o sentia me puxando, como um filme de terror, me engolindo aos poucos, pedaço por pedaço, sentia todas as dores em meu corpo dessa força desconhecida e poderosa em mim. Então percebi minhas vãs tentativas de encobri-lo, e mesmo suja de terra, me erguia e continuava, afinal era só escolher outro caminho.

Foi nesse momento que me deparei com a minha maior constatação: Eu não sabia escolher. Eu me percebia subjugada pelas pessoas, pela sorte ou falta dela, pelo acaso, pelo destino que eu nem sabia se existia, pela imposição da família, pela espiritualidade indefinida...enfim, a dúvida comandava de forma equivocada todas as minhas escolhas, e a única certeza que eu tinha era que aquelas escolhas não eram minhas.

Ignorando a tudo, e aceitando a premissa de que “a vida é feita de escolhas” segui simplesmente, e aos poucos acreditei que o amor poderia me sorrir novamente. Mas se eu estivesse de “olhos abertos”, com os olhos da alma, eu perceberia...

Esse alguém sequer sabia sorrir...como poderia me amar? Como não percebi sua armadura intransponível e dura? Quem era esse alguém que eu estava entregando meu coração frágil e ainda tão machucado? E a cada tentativa de me aproximar e sentir seu amor, me deixava sucumbir aos ferros ao seu redor, me ferindo, me cortando, me anulando e em pedaços, mais uma vez, tentava abrir seu coração com chaves que só existiam em meu mundo imaginário, quis despi-lo de uma barreira definitivamente inacessível. A separação foi inevitável, mas a ferida e a ilusão permaneceram, “as chaves” ficaram anos ferindo as minhas mãos, abraçada em uma esperança inútil e desesperada. O amor era só meu, um caminho de mão única, sequer havia uma via de retorno, continuei sangrando com as chaves nas mãos.

Eu me negava a ter que enfrentar mais uma vez aquele lugar secreto e escuro e tudo o que ele representava.

Sangrando ainda, decidi rever o baú e deixei mais um pedaço de mim, abri as mãos e “soltei as chaves”, e com elas chorei, pelo tempo perdido, pela dor física, emocional, talvez alimentada pela auto piedade, pelo fracasso, pela baixa autoestima, pela alegria um dia vivida, pelas perdas e pelos enganos, pela perda do amor verdadeiro e a rejeição de outro tão egoísta...me sujei com a poeira do tempo das minhas lembranças, mais uma vez.

E como num link, percebi que toda vez que eu abria o baú do tempo, mais forte e vívida era a lembrança daquele lugar... se formando em mim...e desta última vez...não parecia mais tão assustador. De repente eu estava olhando para aquele lugar, frente a frente, e comecei a perceber que poderia ser a minha única forma de me encontrar de verdade. O lugar que fugi a minha vida inteira, escondida, camuflada pelos meus medos e pela minha permissividade. Todo o receio do fracasso, da solidão, de não ser amada, de não alcançar meus sonhos e de dizer: Não!

Eu me vi naquele lugar em segundo plano, para não magoar as pessoas. Por que?

Me vi engolir o choro....

Por que não berrei quando precisava ouvir o som da minha dor?

Por que sorri quando na realidade queria apenas me encolher e chorar?

Por que me anulei para parecer politicamente correta?

Percebi que a única vez que pude vivenciar a minha plenitude e autenticidade durou até o tempo de uma despedida feita pela morte ou será pela vida?

Aquele lugar, sempre esteve presente, eu o negligenciei, e é o único que pode libertar todos os medos.

Quanto tempo demoramos para perceber isso? Alguns anos, uma vida, várias vidas? Acho que sim.

O meu reencontro com esse lugar, chamado vulgarmente de inconsciente, é o meu maior entendimento de quem eu realmente sou hoje, agora neste exato momento, como um reflexo da minha alma.

Independente de como chama-lo, o meu Eu verdadeiro e maravilhoso, a minha Bela e forte essência, a minha Alma linda e exclusiva, o meu Interior único e perfumado, não importa, essa é minha jornada de vida, é assim que me vejo agora, o meu encontro mágico comigo mesma! O meu espelho limpo, poderoso, enorme, visível, entendível, perfumado, atraente, sensual e único! E é isso que realmente me importa agora.

Como na vida nem tudo são flores, nem mesmo na primavera, para que esse olhar seja verdadeiro, para que ele enxergue sem nenhuma névoa da cegueira da alma cobrindo meus olhos, terei que pela última vez abrir o armário com o baú do passado que insiste em permanecer no meu consciente, e deixa-lo definitivamente no passado, a sete chaves, mas sem dor, desta forma poderei seguir meu caminho sem olhar para traz e apreciar o que tenho todos os dias ao abrir meus olhos ao amanhecer: O Presente!

Drica Barreto

Drica Love Barreto
Enviado por Drica Love Barreto em 03/07/2016
Código do texto: T5686354
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