Sobre o Mar, o Céu e Horizonte
Era só o som da brisa que ecoava em meus ouvidos, ou era Deus querendo me dizer algo através dela?! Dentro da minha cabeça estavam acontecendo vários desastres naturais ao mesmo tempo, e eu não sabia fazer parar... Na verdade, ainda não sei. As ondas gigantes batiam contra meus olhos e deles jorravam lágrimas; não sei ao certo o sentimento, mas estava longe de ser paz. O vento que soprava ia direto para os ouvidos e fazia com que toda a minha cabeça ardesse. Dentro um turbilhão, fora a calmaria. Dentro o mundo, fora Deus.
Aqui, olhando para todo esse mar, me imagino gota, eu me sinto insignificante, a menor parte, a gota que evapora do mar e volta como chuva (caindo na rua, indo para o esgoto). Olhando para este imenso mar, que esconde dentro de si mais mar, e areia, e sujeira, e seres... Olhado para ele eu pensei em entrar e me encontrar, no fundo ou no raso, no doce ou no salgado. Pensei tantas coisas.
Se sou eu o mar, meus pecados são o sal ou a areia (que não só está dentro, mas também além)? Quem seria Deus nisso tudo?! Onde estaria Deus?
Ainda não me arrisquei a olhar para o céu e ver se há nuvens, estrelas ou a lua. Neste momento, não me arrisco a nada! Nem mesmo a olhar para o meu reflexo no mar. Não me arrisco a nada. Ciente de que há grandes riscos em nada fazer.
Agora que passou a tempestade e todas as tormentas, ouço a brisa mais claramente. Tão suave quanto é. Ainda não sei se é Deus querendo me dizer algo. E, se for como fazer para tirar do som do vento a voz de Deus? Como fazer para parar esse coração louco que cisma em ser o centro do tornado ou o princípio da onda?! Como calar a mim e ouvir Deus? Como?!
Levanto de onde estou e vou até a ribamar. As ondas cobrem e descobrem meus pés num balé perfeito. Ouvi o barulho das ondas e acreditei ter ouvido a Ele. Me enganei. Enquanto as ondas molhavam meus pés, eu fui cada vez mais encontrado a mim; aquele que eu fugia a tempos... Aquele que é limitado, que peca, que não é perfeito. Cada vez mais as ondas batiam intensas e eu me via nu quando isso acontecia. Cada vez mais eu via a mim... Não gostei do que vi. Estaria eu incompleto? Sujo? Amargurado, ao invés de salgado? Estaria eu sendo tudo o que me toca?
Quando finalmente decidi olhar para o céu, percebi que não havia nuvens. O céu estava pintado de estrelas, com uma grande luz no centro e parecia que tinha luzes de tão forte que era o seu brilho. E vi que além das coisas que vejo há algo maior! Algo que é capaz de ser belo mesmo quando se pinta de luto.
Uma pergunta começou a reverberar em mim: ‘O que há de errado comigo?’. Não sei se é exatamente o questionamento que queria ter. E acabei me deparando com outro ainda mais forte: ‘Quem sou eu?’. Não sei se queria respostas. Não sei se estou pronto para ouvir. Não sei se estou pronto para deixar de ouvir as respostas que o mundo sempre me deu. Nem sei mais se quero ser mar, céu ou o horizonte...
No horizonte há um leve rastro vermelho, deixado pelo sol e se estende pelo mar e pelo céu. Nele tem algo de misterioso que liga o mar ao céu, com cores infinitas, sem nos permitir ser preciso. Sem nos permitir ser. Sem nos permitir. Sem. Um relâmpago rasgou o céu quase o dividindo em sois. Mas, nesse exato momento, eu fui despedaçado em milhões de pedaços. Me vi tão claro, e tão transparente que quase não me reconheci. Em mim, uma presença de Deus e isso me encheu de esperança. Talvez, seja a hora de começar a pensar em resposta para as minhas perguntas... Fora de mim cai a chuva e, por dentro, eu me inundo. Não sei se seriam as respostas surgindo... Mas, isso que me encheu, transborda paz.
O mar agora está tão calmo que poderia ir até o centro dele, sem ajuda, sem precisar nadar contra a corrente. Sem precisar de roupas ou máscaras que me afastem de quem devo ser.
Agora eu ouço a brisa, as gotas de chuva batendo na água, e alguém gritando por socorro dentro de mim. Alguém que sei quem é. Que eu conheço, e que, em outro momento, já se encheu de Deus. Talvez, seja quem eu precise ser de verdade, ou quem eu sempre fui e abafei com a poeira do mundo, ou alguém que quer nascer e só pede para não ser abortado. Quando o vento parou de soprar, a chuva de cair e o mar de se mexer, percebi Deus. Percebi Ele no alto, dentro, profundo. Percebi Deus como havia percebido a tormenta (só que de uma forma prazerosa). Percebi que havia me encontrado, em farrapos, a espera de alguém que fosse capaz de me vestir a alma, que precisava não só de roupas, mas também de paz. Que necessitava das chaves para abrir o cadeado das correntes que a prendia no mundo ou algo que as desmanchasse. Ela só precisava de Deus. Precisou disso durante todo o tempo. Sabia disso. Só não queria percorrer o caminho do calvário. Não queria, em cada estação, ter que derrotar os pecados que eram só seus. Não queria fazer isso sozinho. Não conseguiria tirar os pés do chão para dar o primeiro passo. Não conseguiria nada.
Queria ir embora antes que a lágrima voltasse a cair... antes que de perder a força que sempre achei ter. Fui aos poucos me despedindo do que eu era e deixado que o mar, o céu e as areias levassem para onde quisessem. Me despedi de mim ao mesmo tempo em que me dava as ‘boas-vindas’.
Ainda sem respostas, parti. Mas tive uma certeza sobre mim, Deus e a fé: Era como o mar, o céu e o horizonte... Se completavam com uma fina linha que os juntavam... Talvez, eu fosse o mar, imerso e submerso em meus pecados; Deus fosse o céu, me mostrando que a cada dia haverá uma nova chance de ser diferente, mesmo que pareça o mesmo; e, o horizonte, seja a minha fé – aquela linha imaginária que me une a algo maior que eu, mais infinito, mais belo e que a mim só cabe tentar refleti-lo como posso...