Colégio Estadual Emília Maria Guimarães

Eu vi, clamando a Deus para não ver,

Coisas que alma mais penosa não merecia.

Eu vi, temendo a temer, crianças deficientes sofrendo o que não deviam.

Deus meu, que sabe julgar, sabe responder,

Por que tais rosas devem murchar?

Olhos que às vezes lhe faltam,

Sabem sorrir.

Mãos que talvez tremam,

Sabem dançar.

Bocas que nem sempre falam,

Sabem rezar.

Corpinhos inocentes, que gostam tanto de abraçar!

Ah!

É compreensível que sejam afrontados, excluídos, alheios a tudo?

É absurdo deixar pessoas tão meigas,

Que desejam conversar e declamar.

Viverem no vão, no nada, com a ajuda de poucos.

Sentir no próprio ser o instinto mágico da poesia.

Chorar vezes de alegria,

E orar, para que seus leitos, quando no céu, não sejam afastados dos outros.

Eu vi isso e tanto mais.

Tanto para a vid’inteira.

Mães de peito dolorido,

As que mais sofrem!

Pais de honra perdida,

Mas que não desistem.

Uma família.

Eu vivi dentro dum laço extremamente fraternal o qual unia os inclusos aos sem deficiência.

Foram um dos melhores e mais comoventes tempos de minha vida.

Tempos de menina inocente, porém não menos ativa, que enxergava o verdadeiro valor da ajuda, das palavras de consolo, do braço que amparava.

Deficientes que amam tanto ou mais do que os outros.

Concluem, na sua inteligência, que sorrir é bom quando se ganha um abraço.

Falar é bom quando se sente saudade das virtudes antigas, desabafar.

Eu conheci pessoas jovens,

Com talentos magníficos.

Deficientes visuais que, mesmo ao longe, conhecem a pessoa amada, os amigos.

Deficientes mentais tão amorosos, totalmente inábeis de sugerir uma guerra, ou arrelia qualquer.

Eu convivi oito anos numa escola inclusiva.

Da escolha de meus pais, eu fui para um lar onde não se competem as notas escolares, nem o grau de inteligência.

Fui para uma escola diferente de todas, não pior, mas extremamente melhor.

Sei tão bem hoje, que mais felizes que aqueles momentos, somente aqueles.

Inesquecível para mim.

Inesquecível para quem sabe do que falo.

Há uma saudade mesclada dum sentimento imperturbável que sinto, ao lembrar-me de todas aquelas crianças, jovens e adultos que me envolviam a maior parte do dia.

Mesmo menina, eu distinguia muito bem, que aquela energia me consumia, e fazia arder no meu coração uma chama silenciosa de amor por aquelas pessoas.

Uma chama que eu não pensava estar viva ainda hoje, para que eu pudesse reviver a alegria contagiante daqueles anjos.

Anjos que, deficientes, se tornam anjos únicos, anjos mais cheios de amor do que quaisquer outros.

Anjos da minha vid’inteira.

Anjos sem os quais (mesmo na reminiscência) eu não vivo.

Carla L. Ferreira

04/12/06

Diz-se que quando um sentido é deficiente,

Um outro saudável se torna mais aprimorado.

E não se vê ainda que todo homem é deficiente?!