SEM AÇÚCAR, COM AFETO

Quando fico sozinho e a visita se foi, penso no que foi dito.

No silêncio oco da cabeça, as últimas palavras da conversa que já embalavam o entorpecente e leve sono ecoam...

Então, no pensamento, resolvo isso indo até ao portão, ao carro. Ali detenho o tempo e no bojo dessa eternidade eu delongo, me diluo e extraio do efêmero o que não me desfaço.

Como cãozinho que se despede, abano a mão, aceno e faço rasgar numa última despedida o riso na sua boca esgarçada.

Aprendi o que antes me parecia mal educado: impedir que a visita tomasse seu rumo e fosse embora, que durasse mais estar perto.

Por isso seguro com as minhas palavras o seu tempo e exploro sua permanência com terceiras intenções.

É que pretendo cumular valores, uma mais valia genuína e guardar para sempre o sabor da sua figura.

E assim, quando no oco escuro da boca fechada eu estiver sozinho,

ainda possa sentir o hálito fresco da sua presença.

Ainda estamos,

leia em voz alta uns versos de Caeiro

enquanto preparo o hibisco

sem açúcar, com afeto.

Antônio B.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 29/05/2016
Reeditado em 29/05/2016
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