CARTA AO "MEGALON" 44

Carta ao Megalon 44, maio de 1997
Miguel Carqueija

No Megalon 42 saiu a matéria “A obra de Lovecraft”, assinada por Renato Rosatti. Nela foi relacionado o filme The Dunwich horror (“O altar do diabo”, no Brasil), que seria de 1970 (mas ao que me consta é de 1969). O que eu discordo, porém, é que a referida fita seja creditada apenas ao diretor Daniel Haller, omitindo-se uma informação importantíssima: que o produtor é nada menos que Roger Corman. É a deixa para que eu levante esse assunto no qual muito já refleti. A quem realmente deve ser atribuída a autoria dos filmes? Contrariando a regra mais comum, eu prefiro atribuí-los aos produtores. O próprio Corman, dando uma entrevista na TV Educativa (Rio) (obs. Em 25 de julho de 2013: retificando, a entrevista fazia parte de uma série filmada de depoimentos de cineastas, que a TV Educativa vinha exibindo, mas devia ser produção norte-americana), disse que, na tradição de Hollywood, “a principal figura do filme é o produtor” (nota em 25/7/2013: ele acrescentou: “Isto mudou recentemente”). E isso é reconhecido várias vezes. Por exemplo: os casos de Walt Disney, George Pal, Tim Burton, Francis Ford Coppola, George Lucas, Oswaldo Massaini, Carl Foreman, Val Lewton, Carl Laemmle, David O. Selznick, Charles Band e tantos outros. Nas embalagens de fitas de vídeo, em produções de Corman — como “Carnossauro” — seu nome é bem mais destacado que o do diretor. No caso de Walt Disney, é evidente o seu estilo prevalecendo sobre muitos diretores diferentes. Acusaram-no certa vez de ter-se utilizado de diretores medíocres e certas vez, talvez por distração, ter chamado um de talento, Richard Fleischer. E aí surgiu seu melhor filme de aventuras, Vinte mil léguas submarinas. Besteirol. Richard Fleischer nunca foi um bom diretor ou criativo (nota em 25/7/2013: hoje eu não diria isso, mas que não vejo Fleischer como diretor excepcional ou de estilo marcante). A qualidade da adaptação de Júlio Verne para o cinema deve-se ao velho Walt e ao bom gosto de sua escolha (nota em 25/7/2013: o roteirista Earl Felton fez um trabalho muito bom; cinema é trabalho de equipe). E quem duvida que George Lucas seja o mentor da série “Guerra nas estrelas”? Ou quem poderia atribuir o seriado “Jornada nas estrelas” mais aos diretores que ao produtor e criador Gene Roddenberry? E quem ignora que “E o vento levou” é obra de David O. Selznick, mais do que os vários diretores que aí trabalharam? Nas séries de tv a primazia do produtor é patente, pois ele administra a série, e os diretores variam conforme os episódios. Quem mantém a coesão, a coerência? É essa questão que desejo levantar.


Nota: o Megalon era um fanzine de ficção científica e horror, de grande prestígio, editado pelo jornalista Marcello Simão Branco, e circulou nas décadas de 90 e 00. Esta carta que eu enviei aborda uma antiga discussão sobre cinema, ou seja, a paternidade dos filmes.
Editei a carta em 2013, colocando algumas retificações. O texto original é de 1997.
"Megalon" era uma barata gigante, um monstro de filme japonês, que aparece na produção "trash" "Godzilla versus Megalon".