Rascunho

Rio de Janeiro, 6 de abril de 2016.

Estimada Aurora,

Tu tens me visto debulhar as feridas antigas, há muito curadas, para relembrá-las a dor, pois, sabe-se lá por quais estranhos motivos que, nesta calada metade de ontem e de hoje, quis vivê-los em um novo suplício, para que depois, uma vez mais, eu devesse esquecê-las.

Tu tens sido a única testemunha dos depoimentos que, em sua maioria, venho omitindo de mim mesmo o seu derradeiro significado, dando falso testemunho sobre uma retórica que simulei diante do espelho, para enganá-los (os que me leem) e iludir-me com minha sombria arte.

Não vejo mais o mundo com os mesmos olhos de antes. Toda a fragilidade, agora, torna-se uma vontade de reerguer-se de si mesmo, do ensaio patético de um projeto de ser. Os restos mortais que vos fala, poderia das ruínas e das sombras levantar-se em um último ato heroico?

Ou devo conter-me ao pessimismo dos antigos poetas que, em vida, recitavam-nos, em versos de poemas, o epitáfio que desejariam gravar na rocha fria de seus respectivos túmulos?

Um tumulto existencial oscila entre as nenhumas certezas e as das dúvidas muitas. E venho recorrer a ti que me ouves calma e serena. Não te trouxe as boas novas da vida que refiz de lá para cá, tenho omitido muito sobre mim. É verdade!

Destarte, farei uma breve síntese dos acontecimentos novos e como estes fizeram-me compreender os antigos. Mas posso ainda estar embriagado por velhos vícios antigos que tendem a ver tudo pelo lado ruim.

Fui medíocre. Isso eu, certamente, fui. Talvez ainda o seja. Há em mim a metade das coisas incompletas. Sou meio isso, meio aquilo. Foi quase e quase fui. Nem me arrastei, tampouco corri, andei. E ando sem rumo, fiz do Leste o Norte, apenas porque vi o sol surgir por ali.

Todos os sonhos que fiz, aqueles que te contei, tive que reescrevê-los, porque houveram alguns imprevistos no enredo que o Universo, o mais perverso dos roteiristas, escreveu-me em sublime castigo.

Errei e não fui capaz de corrigir todos os meus erros. Restou-me uma estranha obrigação com o passado, em corrigi-los nos detalhes que me pareceram falhos. Algumas lacunas para sempre se fecharam, outras, no entanto, permanecem abertas. Pretendo, porém, preenchê-las com algo que, por ventura, eu venha a encontrar.

Dos meus elevados sonhos, alguns tijolos pude empilhar, ressinto-me de tê-los sido mero coadjuvante. Não há maior medíocre do que o homem que é figurante da própria história.

Fraco e um pouco cansado, ofereci uma ou duas vezes o papel principal para o protagonista que me beijasse na penúltima cena, antes que as cortinas se fechassem, que as os holofotes se apagassem e a peça, cômica que foste meus dias, terminasse por um drama qualquer.

Tu tens visto que não mudei muito, estimada Aurora, mas peço-te, humildemente, que não desistas de mim. Prometo que trarei boas novas, eu prometo...

Atenciosamente.