Carta número dez: As memórias quase apagadas

2 anos, 2 meses e 6 dias

Não tenho ideia de como começar essa carta. Lembro que da primeira vez que escrevi, o importante era ter uma inspiração pra fazer meus textos diários, porque fazia parte do trabalho de escritor. A melhor delas, porém, falava sobre a existência de uma máquina e de ferramentas enferrujadas demais pra funcionar.

Nessa agora, quero falar sobre memórias. Eu me lembro da primeira vez que cheguei naquele local novo que nunca tinha visitado antes. Não sabia onde ficava nada, nem mesmo um banheiro pra usar de refúgio. Não conhecia ninguém. Não queria falar com ninguém no momento. Só queria sobreviver àquele dia que parecia nunca acabar. Porém, quando teve aquela entrada triunfal dos mais velhos, foi como se aquela ceninha da liga da justiça aparecesse na minha frente. Pessoas incríveis andando em câmera lenta com vento nos cabelos. Eu pensava em outra coisa na hora, provavelmente em como achava que nunca teria um sentimento como o do amor de novo. Mas então encarei você, e quando percebi, você fazia o mesmo, apesar de não estar realmente prestando atenção. Virei a cara na mesma hora.

Alguns dias depois, te encontrei em dois lugares que eu também estava inscrita. Em uma delas, você estava lá há tempos, e eu era a única nova. Na outra, eu já estava há uns meses e você foi o novato. Engraçado. Nos víamos todo dia, mais do que muita gente, e mesmo assim não sabia como começar um assunto.

Lembro do problema da carteira, e que você foi a única pessoa que passou a sua pra mim pra me salvar, quando todos os outros diziam que eu devia pular. Ou então da vez em que você sabia meu nome, e eu mal sabia o seu. E eu adorava saber que você entendia o fato de que era melhor me chamar pelo apelido, porque soava melhor.

São muitas memórias que eu adoro. Que podem não ter significado algum, mas eu gosto de pensar que têm. São histórias pra contar um dia pra alguém que queira ouvir.

Novamente, eu serei a nova na área e você há tempos já está lá. Acostumado com tudo o que um dia foi novo, difícil e estranho. Como você se acostumou? Eu gostaria de saber. Mesmo antes de você chegar aonde está, você era minha inspiração. Sempre quis ser como você quando crescesse, e falo sério. Você era aquela pessoa comum que se tornou um modelo pra mim. Tinha Inteligência, bondade, gentileza. Beleza, não. Mas vai, não dá pra uma pessoa só ser tudo isso, né? Mas quem liga pra beleza quando se é alguém como você? Sinceramente, é melhor inspiração que eu poderia ter. Uma pessoa maravilhosa.

Eu sei que muito tempo se passou. Claro que eu tentei entrar em contato, mas obviamente você não quis responder. Eu sei. Eu não era a modelo ideal, não tinha a idade ideal, nem o cabelo ideal. Eu não era nada ideal. E não sou. Eu sou real. Uma pessoa com problemas, com erros, acertos, momentos bons e momentos ruins. Cara horrível, mas bom coração. Idealizo muito, mas sou de verdade.

Naquele dia quando você passou pela porta, eu gostaria de ter dito que me importava com as suas preocupações quando você achava que ninguém ligava. Quando você se virou pra falar comigo da cadeira onde estava, eu desejei que dissesse alguma coisa. Quando eu cantei, eu queria que tivesse prestado atenção na letra. Quando fechou a porta na minha cara, eu quis que você abrisse e pedisse desculpa, mas pelo menos dessa vez você quebrou minhas expectativas, e além de tudo, deu sua mão pra me ajudar a subir.

Mas existem muitas coisas que eu queria que fossem diferentes, só que o passado não vai voltar. A única coisa que sei fazer é escrever, e infelizmente você não vai ler isso.

Só queria que soubesse que pessoas normais, as vezes perdidas, podem se tornar uma inspiração. Fico pensando se teria coragem de conversar com você depois de tudo, porque sei que você está onde eu vou estar agora. Mas acho que não conseguiria. Ainda gosto das cartas. Quem sabe alguém imprime uma delas e te dê no correio elegante?

Nunca vamos saber o que o futuro nos reserva. Então não tenho como saber.

Bec
Enviado por Bec em 12/02/2016
Reeditado em 12/02/2016
Código do texto: T5540945
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