Carta para Ti - III
Talvez devesse ter silenciado. No entanto, provoca-me desconforto qualquer tipo de complacência, quando o coração deliberadamente arca com o ônus da dor. Pouco entendo de contenções ou moderações, quando sinto o pulsar dos teus olhares a percorrer o corredor das lembranças. O ímpeto é sempre de desatar as amarras que te fazem sangrar. Aprendi que crescemos, quando somos capazes de modificar nossas respostas diante da vida.
Talvez devesse ter silenciado. No entanto, incomoda-me perceber que abarrotas as tuas prateleiras emocionais de resistências, vestindo armaduras que te tiram o prazer de sentir a brisa, a ardência do sonho e os gestos que te instigam novos olhares. Teimo ainda em ter as mãos de Monet estendidas sob o gris das tuas aquarelas. Há que se ter o encantamento para tocar e descobrir cores que não experimentamos. Há que se buscar fusões que nos devolvam a satisfação de apenas sentir.
Talvez devesse ter silenciado. E como poderia reter o fluxo da palavra? Ela, que me propõe a liberdade, vezes secreta de dizer-me em metáforas, em signos somente decifráveis à tua percepção. Ela, que me instiga a explicitude, quando preciso da limpidez e da transparência para despir letras. Poderia desconsiderar o bater de asas do pensar que desconhece as grades do adiamento? Foi exatamente através das nossas diferenças que nos fizemos tão próximos. E essa sensação de complementaridade foi sempre celebrada em momentos recheados de cumplicidade. Prefiro continuar te dizendo das imagens que nascem nas alvoradas, da possibilidade de redesenhar traços e da sensação de ter o cabelo desalinhado pelo vento.
Talvez devesse ter silenciado. Mas sei-me apenas, quando sou presença, ainda que convocada em tua saudade. Poderia apenas embalar tuas e minhas tristezas, mas prefiro a vertigem da superação à aparente plenitude do conformismo. Diz-me de pontes e de castelos. Quintana em sua sabedoria já dizia que “O que mata um jardim, não são os muros, mas a indiferença de quem por eles passa”. Ouso complementar o Quintana, dizendo-te que para morrermos, apenas precisamos da indiferença dos nossos próprios olhares. Entedia-me o ranço do “não sei”, “do não consigo” que vamos nos dando, para justificar a morbidez com que nos expomos ao mundo. Por isso é que te instigo a abandonares as pausas, os hiatos e a te mirares sem restrições e exclusões. Um dia te lembrei que ainda existem estrelas por contar...recorda-te? Elas continuam a te esperar, iluminando as noites, em que te alforrias da vida, protegido em tuas fortalezas. Em tuas inacessibilidades, minha ternura far-se-á sempre posseira, ecoando pelos corredores dos teus silêncios. Assim decidi...
Perdoa-me pela inabilidade, quando te afaguei os ombros, ainda que soubesse da intensidade de tuas feridas. Perdoa-me por minhas digitais tocarem-te com uma luminosidade que te provoca prevenções. É que nada entendo de saídas honrosas, quando emoções desconhecidas me atravessam, nem de deixar-me sobreposta ao medo...prefiro minhas dúvidas borradas com as tintas do vivenciar.
Perdoa-me pela simplicidade, por não ter trazido disfarces, por não precisar de máscaras para te olhar. Perdoa-me pela ausência de segredos, pela estrada sem atalhos que te ofereço e por insistir em valorizar os percursos, mesmo quando as vitórias não beijam meus pés. Prefiro as marcas, a ter um terreno sem pegadas...
Perdoa-me pela minha mão que não tem hora para oferecer-se a ti, mesmo quando te deixas adormecer em tuas tormentas, entregue a lágrima que pensas ser teu destino.
Apenas sei que na tua história terás que escrever também o meu nome...
© Fernanda Guimarães
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