POESIA E O PROCESSO DE MITIFICAÇÃO

(para Anellize Kieling, arquiteta e escritora)

A nossa confreira Cheila Stumpf – psicopedagoga, parapsicóloga e poeta – é uma pessoa incrível, talentosa, e que promove a sua obra literária.

Quando, em 1991 estava por lançar o seu primeiro livro, que veio a ser o “Esquinas do Real", procurou-me para pedir uma opinião e eu disse a ela que o seu texto era muito original e continha elementos novos na poesia feminina gaúcha. Aconselhei-a que fizesse a sua estréia em livro!

O que eu vi à época era uma espécie de virilidade, de tratamento curiosamente particular de temas muito propriamente femininos. Não havia, nos textos que chegaram às minhas mãos, aquele derramamento tão comum em poesia, e ao qual estamos acostumados: "Meu coração é um balde despejado", diria o heterônimo de Fernando Pessoa.

A contenção verbal característica da poesia da contemporaneidade é a sua pedra-de-toque. Ela é avessa à verve prosaica do dia-a-dia. Repele as expressões coloquiais tentadas por todos aqueles que querem justificar o primarismo da falta de leitura ou que se deixam deflorar pelo desejo de vir a fazer poesia sem ter familiaridade com os textos dos clássicos.

Autores facilmente encontradiços em agremiações literárias e que só sabem fazer versos com rarefeita poesia. Nestas sociedades vale a confraternidade entre os associados. Observando e vivenciando os grupos e seus momentos é perceptível que melhora a autocrítica do autor novato. Acostumei-se-me! Diria o português Fernando Pessoa, parafraseando Álvaro de Campos no personagem Esteves, o do poema Tabacaria, de 1928.

Tristemente o que não se consegue acabar é com aquela absurda "consciência de mitificação" que envolve o escritor novato em relação aos mais antigos que gozam o momentâneo e merecido sucesso editorial. Também as benesses da notoriedade pública. Como abordar o tema aos que chegam ao movimento literário?

Alguns dos nossos irmãos, particularmente em Poesia, por falta de leitura e de preparo técnico, nunca chegarão a se mitificar, porque não aprenderão a construir-se na dimensão da Poesia com "P" maiúsculo.

A grande poesia não é para qualquer um. É preciso que o leitor saiba "aspirá-la", nunca "inspirá-la"! Cheila sabe disso.

É autora de talento em vias de se tornar conhecida nacionalmente. Não deixa de comparecer às reuniões de grupos de iniciantes e de agremiações culturais. Ela sabe de que é dali, das conversas do grupo, entre si e com terceiros, que começa o processo mitificador que diferencia o escriba consagrado.

Podes procurá-la, sei que vai dividir contigo o que puder.

Vês o que é esta cachaça braba do hábito de escrever?

De há muito precisava pensar sobre Cheila, em sua rica personalidade, o seu texto, enfim, sobre o que está construindo com afinco. E a tua exposta necessidade sugeriu tudo isto.

Pra mim é sempre assim: nas cartas, nas conversas epistolares, na confraternidade muda frente ao computador é que nascem eventuais textículos literários.

Aliás, ao falares com a Cheila Stumpf, pede que te envie a sua carta datada de primeiro de dezembro do ano de 2001. Verás como um escritor pode bem conceber o Natal, e sua anual repetição. A carta distribuída aos seus amigos é de um primor digno de nota.

Terás por aí um bom começo para bem escrever. A literatura te merece. Dar o primeiro passo é questão de talento, paciência e competência para a espera de um dia depois do outro.

– Depoimento sobre aspectos da vida e obra da poetisa Cheila Stumpf, residente em Santa Cruz do Sul, RS. Correspondência de 25 de maio de 2002 com Anellize Kieling, arquiteta e escritora, pertencente à Associação Cultural de Amigos das Artes – ACCART, de Novo Hamburgo/ RS.

– Cheila Stumpf faleceu aos 58 anos, em 2003,

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/547650