Carta para minha mãe
Minha mãe,
É hora de te pegar no colo,
De colar o ouvido na tua boca para escutar tua voz pequena.
É hora de entender teus sinais,
De sorrir, mesmo que a tua angústia seja aflitiva demais.
É hora de te amar ao extremo,
Porque o teu corpo reduzido
Anuncia que já não temos muito tempo.
É hora de tentar colar tuas asas com ternura
Para evitar que caias da cama na noite escura
E partas sem nos dar adeus.
É hora de esquecer as horas.
Hora de não lembrar as mágoas.
De esculpir os últimos gestos,
Sem te deixar perceber os pés à beira do abismo.
Se pudesse, te tirava da cama, e te levava a um campo verde
Faria-te ver por trás das lentes gastas, o que a vida ainda tinge de beleza.
Mas as horas espalhadas pela casa
Apontam para o fim que não quero ver.
Queria te dar um leito alvo,
Vento a roçar teu rosto miudinho,
Luz a esquentar teus ossos machucados.
Queria que a eternidade durasse o tempo de não esquecer,
Espichada pela saudade que já me aborda
Como um bicho à espreita, sedento, faminto.
Fica mais um pouco.
Fica mais em mim.
Ainda trago a mecha do cabelo que guardaste
Quando eu nasci
Para me mostrar como eram finos e dourados
E, por isso, tinhas que colar um laço na minha cabecinha de bebê.
Ah, minha mãe,
Diz-me: Por que cresci?
Por qual absurda razão estás tão frágil?
Conta-me aonde escondestes os nossos patuás, que tecias e ungia com fé
Para nos proteger do mal.
Procuro e não encontro e não consigo te devolver essa proteção.
Ah, minha mãe,
Explica o porquê de sermos tão finitos,
Se o amor que trago inunda o quarto e se estende até o mar.
Explica o porquê de termos que viver para ver morrer quem amamos.
Já não vejo sentido algum em nada.
Minhas horas são vagas. Meu tempo é de susto.
Estou aqui, mas meu pensamento está pousado ao teu lado,
Anjo sem juízo a te guardar e resguardar
Para que seja possível te ver um pouco mais
E te enroscar nos braços
Evitando que vires uma poeirinha qualquer
Nesse mundo de tantas e tantas lembranças.
Ah, minha mãe...
Que dor a de te ver assim.
Não imaginas o quanto me pesa a sua possível partida
Acho que o mundo não vale um terço do que eu, bobamente, imaginava.
Deveria ter restado no teu ventre
para não ter que parir a dor de ver-te minguar,
tão lentamente
sem poder mexer uma palha desse celeiro que é teu destino.