Carta ao Meu Pai
Sabe, meu Pai... Novembro é o mês em que tu escolheste para que eu chegasse ao mundo.
E como uma criança tua que eu sou, dirijo-me, então, aos vastos “sonhos” tranquilos de campos verdejantes e paz de "outrora". E regozijo-me em ti porque não são mais "sonhos”. Hoje eu descanso em ti, Papai. E é tamanha a paz.
E este ano foi sim... Um ano muito especial. E mesmo que eu ande sobre os espinhos, tu me colocas no colo... Para que eu atravesse o caminho.
E a “prenda” que tu me deste este ano, veio antecipada.
Eu a recebi no dia oito de fevereiro... Quando eu pude sentir o teu abraço.
Olha, meu Pai... Eu sei que muitos devem pensar que é auto-sugestão, delírio ou algo assim. Eu também já pensei assim um dia. Tu sabes.
Mas eu, sinceramente, não me importo com o que pensam. Este é um assunto nosso. Tu e eu sabemos que nos reencontramos naquele abraço. E eu nunca vou esquecer este dia.
E eu sei ainda que me abraçavas, mesmo quando eu não merecia. Porque continuo sem merecê-lo. E sempre assim será. Mas tu me amas. E eu quero parecer-me contigo no exercício de amor que é viver ao teu lado.
Se alguém me pedisse para que eu descrevesse como é ganhar um abraço teu, eu diria que é bem maior do que a paz que sentimos quando nos deitamos na relva verdinha num dia muito bonito. Com cheiro de natureza, de terra molhada pela chuva fininha. E faz-se um silêncio para dentro indescritível. Ao mesmo tempo eu senti vontade de deixar cair o corpo cansado ao chão. Porque era tudo tão pesado... E naquele dia, naquele abraço que tu me deste, me deste também de presente a certeza de que tudo o que me era pesado, tu levaste contigo.
Papai... Nós, humanos, desgastamos tanto a tua amorosa existência... Eu lamento tanto o que fazemos com tudo o que nos presenteias todos os dias, com tanto amor...
São tantos “jargões” usados por nós:
“Terás Vitória!” … “Façamos isso ou aquilo e Deus te escutará!”
Ah, meu Pai... Tu não queres barganha. Tu não precisas. Nem de mim e nem de ninguém.
Nós precisamos de ti. Eu preciso de ti.
Não quero religião que afaste-me de ti e do meu semelhante.
Tu me bastas. Tu és maior do que a própria Palavra.
Tu resides na simplicidade.
Sabe, meu Pai... Por vezes eu me acho tão parecida com Pedro, o teu seguidor. Não na minha fé... Quem me dera. Mas naquele temperamento "impetuoso" e “cortador de orelhas”. Ajuda-me.
E são tantos os “eu te amo” enfraquecidos, quando as ruas de minha vida ficam escuras.
Eu queria mesmo, meu Pai... Parecer-me com o João... Sim! O teu seguidor. Que mesmo antes de dizer que te amava, tinha plena convicção do teu amor por ele.
Eu quero mesmo é parecer-me contigo!
Dá-me, meu Pai... Sentir-me sempre como o teu João. Para que antes que eu diga que eu te amo, na certeza absoluta do meu fracasso no meu amor por ti, eu tenha em meu coração o alimento da certeza do teu amor por mim: imutável, perfeito.
Tu sabes que eu antes não te compreendia... E eu me encontrava tão equivocada ao ponto de pensar nem sequer merecer um olhar teu... Quanto orgulho, meu Pai.
Pois quando eu não aceitei este amor perfeito que vem de ti, traduziu-se a dureza das paredes do meu coração.
Mas o teu amor é paciente e é bálsamo. E é tamanha e inexplicável a tua paz.
E depois daquele abraço que tu me deste, Papai... Eu nunca mais chorei.
Eu nunca mais me senti sozinha.
Nada em mim reside com peso. Porque tu o carregas para mim.
Dá-me, meu Pai... De se, por ventura, eu me cansar dos homens, eu me cansar de mim... Que eu nunca esqueça do abraço que tu me deste naquele dia. Porque eu sou tua filha. Ensina-me a caminhar contigo.
Dá-me que eu me conheça tão profundamente... A ponto de desviar-me de mim... Do que me faz cair. Ensina-me e usa-me para que eu me pareça contigo. Que sejam menores as minhas vontades sobre a minha vida. Porque a minha vida é tua. E que seja feita dela o teu querer, nunca o meu. Porque eu sou sempre muito atrapalhada, Papai. Sou uma desastrada.
Há um tempo, quando as minhas aflições eram com os meus filhos, eu achava que, por tu teres te humilhado e feito homem na Terra, e teres sido crucificado e morto por amor à mim, tu me salvaste... Mas tu não conhecias a maternidade, pois te fizeste homem. Ser asqueroso eu!
Olha que petulância a minha! Tu criaste a maternidade!
Quem poderia me entender como mãe mais do que tu?!
No dia do meu aniversário, Papai... Quero, como uma criança que anda num campo florido, colher e te ofertar a mais bela flor, que também é tua, e te falar sempre da minha gratidão por teu abraço consolador, colo de Pai presente sempre. Por tua vida entregue por amor à mim, sem que eu, nem por um segundo, mereça.
Eu não te esqueço. E eu sei que tu não me esqueces. Nunca me esqueceste. Mesmo no tempo em que eu não fui muito generosa contigo. E te peço perdão, Pai.
Eu sou uma filha difícil, meu Pai.
Mas que, todos os dias, todos os instantes, lembra-se de ti...
E isso foi desde aquele abraço... Porque este foi o mais belo presente que eu já pude receber em toda a minha vida.
De certo, não foi o primeiro abraço que tu me deste. Mas foi o primeiro que a minha pequenez humana conseguiu sentir.
Quem tem uma experiência contigo, Pai... Envergonha-se e reveste-se de tanto amor... Que é impossível te esquecer. E nada mais é como antes.
Ensina-me a servir sempre mais a ti e ao meu semelhante. Nele tu estás.
Ensina-me a amar sem condições impostas, como tu a nós.
Obrigada pelas minhas “duas vidas”:
A primeira: onde eu tive que perder muito. Porque eu decidi andar por conta própria. Mas foi, de alguma forma, caminho que me trouxe a ti.
E a segunda: a que tu me entregaste naquele abraço amoroso, meu Pai.
Assina, sem necessitar, a tua filha que também não necessita de um nome a ti... “Porque somente tu me conheces e me chamas pelo meu nome.”
Eu te glorifico, meu Pai.
tua filha karla
10 de Novembro de 2015