Sela túrcica – monólogo da ferrugem.
As noites (em últimas) são os cascalhos brancos que despedaçam as nossas pétalas. Queria dizer que nas tuas fotos, teus ombros são convidativos aos meus olhos, como se dissessem: “pisca aqui - e sonha”; como se gritassem mais o “sonha” do que o ato de piscar – o que é um sussurro, eu adivinho.
Teus olhos falam baixo e solenemente acusam o mundo, enquanto ainda são teus ombros que carregam o peso. É madrugada e eu não te solto desde ontem; por necessidade; vontade; querer rasgar teu peso e teu silêncio – fazer com que os olhos baixos gritem; por amor; amor; amor por perto. Eu não te solto e não solto a mim; és tão pequena e linda que eu te abraço e sinto minhas mãos na volta das minhas costas – amarro-te com músculos e ossos à mim. Sou um pouco perdida em ti, como se eu caminhasse por suas ruas de areia litorânea e sentisse a areia quente escorrendo sangue – eu sinto; nós somos sangue; te amarro à mim com sangue também. Um tipo diferente de sangue, como uma corda; um laço; um constante nervo neural que habilita-se sozinho quando eu pisco e sonho; derramo-me em lágrimas nos teus ombros gotejantes e a areia pinga – na cabeça, no cérebro, nos cabelos. Gota por gota; eu sincronizo. Não te soltarei até amanhã, mesmo que chova ou que um bando de pássaros nos desafie a permanecer – sejam pombos ou corvos; não seremos amedrontadas pelas cores. Posso sentir? Posso; posso? Deixei caírem os cílios do lado direito das pálpebras; acordarás uma manhã e dirás - “deixou vestígios seus em mim” – e deixará que os cílios caiam com um sopro pelo travesseiro, como a brisa em uma janela, como o tom de branco nas noites com a ausência de sol; como a claridade da união das nossas mãos. Tenho medo de chegar muito perto, de querer refletir meus poros nos teus olhos; minha respiração pode ser bruta, meus pulmões são radicais e tensos e não suportam emoções sem prejudicar os olhos chorosos e as mãos trêmulas; perdoe-me pelo pouco de mim, não me canso de ser apenas emoções.
Eu enxergo a madrugada corrente, como quedas d’água dissonantes entre nós – quase opostos; tu dormes e eu zelo; sou um monstro pro sono, minha mente sonha na realidade dos olhos abertos em tua direção, e não se escondem nas profundezas da letargia. É um jogo de reflexos: meus olhos abertos – teus olhos fechados – ombros – luz – mãos – cílios – silêncio – sopro – madrugada – pálpebras – dia – sol – areia e sangue; não necessariamente nessa ordem, mas o sangue é sempre o último, como se acordássemos lavadas por ele – nosso sangue coagulado em antigas trevas, emergido atualmente em intensa vontade de vida.
Preciso que seja madrugada ou noite, e não posso soltá-la; espero que sintas, como eu sinto a artéria nos lábios respirando entre os dentes presos de angústia pela distância – eu não te solto até amanhã; até que, como uma criança, tu possas levantar brilhando e dizer meu nome como se fosse a primeira palavra pronunciada em toda uma vida; o ciclo começará no horizonte dos teus ombros, com meus cílios dispostos a voarem em teu nome, e nós duas amarradas com coisas nossas. Amanhecerei contigo, em ti – como sol e sombra protetora dos teus sonhos albinos.