Meus caminhos...
Meus caminhos
Ao mundo vim( 1958), com a certeza dos que nascem e trilham o caminho árduo da vitória, onde tudo é mais difícil, tudo tem um se não, todos parecem contra o que você acredita, a tudo tem que haver luta. Desde a meninice, em uma vila em São Carlos, até os dias de hoje, já na cidade de Araraquara( quase trinta anos), passei por tantos perrengues, que se contar daria para escrever um livro com várias edições, (deixo isso a cargo da amiga jornalista Célia Pires) que tão majestosamente transforma linhas em cadernos inteiros de tão boa é na escrita, e se estivesse vivo, meu tio Nelson Barros da cidade de Brotas, a quem tenho certeza herdei essa veia poética.
Vamos começar do ano de 1967, ( tenho poucas lembranças anteriores) ainda com 09 anos, estudava e ajudava a vó Nega, pois a gente tinha por obrigação(eu chamaria isso de educação) ir tomar a benção da vó todos os dias, e de quebra lavava a louça e varria o chão, tinha uma lerdeza que irritava a vó, pois ela era muito ligeirinha, vivia com a barriga molhada e encardida, pois naquele tempo, o gás era relíquia, e todos tinham seu fogãozinho e forno de lenha. Na casa do meus pais vivíamos uma vida de muita pobreza, poucas regalias, muitas vontades, mas era o que se tinha para o dia... Na casa da Vó Nega e da tia Diva, tinha bolo, frutas e guaraná, mas tudo era muito “restrito”, até vigiado. Eu era a menina boazinha que a todos ajudava, ia à quitanda, ao bar, era rapidinha nas pernas, mas tímida demais. Brincava de pega- pega, bola atrás, esconde - esconde, de casinha, com os poucos cacarecos que tinha, (nunca tive uma boneca de verdade) fazíamos os bonequinhos de chuchu, com gravetos que viravam patinhas e chifres, rabos... Embaixo da parreira, era a sala, mais adiante na goiabeira o fogão, e os quartos eram embaixo do forno, tinha até banheira ( que era uma bacia imensa) isso tinha visto na novela, e morria de vontade de entrar em uma, os bolinhos eram de barro, a comidinha do faz de conta eram colhidas na hora, aquele matinho azedinho, dava uma bela salada, as frutinhas pretas, eram azeitonas, dava aula de catecismo, e as amiguinhas adoravam, depois íamos escorregar na área da casa da mãe, que era de vermelhão. Anoitecia a gente não parava, a tarefa já pronta, a janta magra, a mãe que dormia, o pai que roncava, saímos pé ante pé, e a rua nos esperava, mas não tinha perigo, todos ajudavam a cuidar, ali até tarde a gente jogava betes, esconde-esconde, bola queimada, caçava vagalumes, e inça, que alguém até fritava. Até que a Dona Maria, que sentada no banquinho de madeira, cansada de tantas cochiladas, sacudia a saia e gritava: Chega molecada, hora de recolher, ninguém nem questionava, aquela vassoura na mão, era encantada... Meu pai caminhoneiro, bem cedo acordava, trabalhava de sol a sol, muitas vezes viajava, demorava a voltar, e quando chegava que festa, trazia conchas do mar, estrelas, conchinhas, e aí eu sonhava, que iria conhecer o mar, suas ondas que o barulho na concha eu escutava. Sempre fui sonhadora diferente da molecada. Pena que tudo que é bom, do nada acaba, minha infância foi cortada, as brincadeiras, foram substituídas, pelas surras, pelas responsabilidades a mim imputadas. Meu pai homem severo ( coisa da criação) decidiu que mulher tem que se preparar para receber o matrimonio, então estudar para que? Tirou-me da quinta-série, no Industrial São Carlos, onde era considerada a melhor aluna da sala, até os professores se entristeceram, pediram, quase imploraram, Seu Renato, essa menina tem futuro, deixe ela terminar os estudos, mas que nada, de empregada doméstica me colocou, fui muito judiada, passei muita fome, esfreguei muito chão de joelhos, passei muito escovão, ariava alumínio no sol, até dar ar na vista, e não contente com a quantidade, a patroa para fazer caridade as minhas custas, passava os da vizinha pelo muro, depois me dava aquele restinho de comida de dias, até azeda, por que como dizia, saco vazio não para em pé. Que Deus a tenha Dona Maria Miquelina, que inclusive foi minha professora de 4.ª série, algumas pessoas vão lembrar- se, aquela das unhas imensas, óculos preto fundo de garrafa, que quando a gente errava nos cutucava, mandava reguadas e até o apagador, coitada, era muito mal amada, e não sabia o correto exercício do professor!
Os anos foram se passando, e eu sempre alegrinha, fazia amigos, tinha sempre alguém comigo, nunca estava sozinha, mas isso para alguns era problema, causava inveja, que pena, perdiam a oportunidade de estar conosco e fazer da vida uma novela, pois sofrida era a vida, mas a gente sabia driblá-la, muitas coisas escondidinhas, que não eram do mal, a gente fazia, tipo sair de casa e ir catar gabiroba, nadar no riozinho (ríamos muito catando girinos), catar macaúva, jatobá, ou andar de carrinho de rolemã naquela descida que a mãe dizia, jamais prá ir lá, mas lá era o point, a garotada, lugar mais disputado, saímos de joelhos e cotovelos ralados, jurávamos nunca mais ir lá, mas não dava uma semana, os ralados cicatrizados de tanto a mãe lavar com bucha e sabão, lá estávamos de volta, era só diversão. E a tudo aceitávamos, em respeito aos pais, nunca questionávamos, se aquilo era ou não demais, nem ao menos tínhamos o direito de opinar, e se chegava visitas, nem na sala se podia passar, ai era a hora de pra rua brincar.
Dos 6 aos 13 anos, entre idas e vindas da escola, trabalho e parquinho, na Vila Monteiro morava, meu pai sempre vigiava, queria saber onde estava, confiava desconfiando, nada passava, e olha que ele bebia umas pinguinhas lascadas, mas orientação e respeito, nunca nos faltava. Era ele que ia no final do mês, na casa das patroas o meu salário buscar, pois tinha receio de eu a toa gastar (quem dera, ao menos uma roupa nova pode comprar) sempre vestia as sobras ou das irmãs, ou das primas, ou as calçolas e shorts vermelhos de saco tingidos feitos pela vó Nega, os calçados eram de plástico, comprados na carroça do padeiro.
A vida passa rápido demais, mas parece-me estranho que naquela época a gente vivia mais, os dias tinham conteúdos, história para contar, as crianças de hoje, me parecem vazias, ou sou eu que não tenho mais a mesma visão poética da situação?
Bom, pra encurtar um pouco a história, sempre fui muito irrequieta, querida, mas sei lá, parece que as pessoas se incomodam com nossas vidas, fazem parecer tudo inútil, trazem discórdias, fazem feridas, mas continuo firme, preservo antigas amizades, edeixo aberto espaço para quem quiser entrar.
Aos dezesseis anos, comecei nova história, (casei-me) mas como passado não se apaga, trago sempre vivo nas minhas memórias tudo o que vivi, e não me envergonho do que passei, fiz deles degraus para minha subida tudo foi lição de vida, para me melhorar, sou um ser humano lindo, cheio de amor pra dar, pois nada tive de graça, nunca recebi herança, suei sofri, estudei, corri atrás dos meus sonhos, sei que não sou perfeita, tenho muito ainda que viver, peço perdão se um dia fiz alguém sofrer, dessa nova fase, também sentando e contando novo livro daria, volto para contar a epopeia que foi esses 40 anos de casamento, que tenho certeza vocês curtirão cada momento, pois aprender a ser mãe, não foi brincadeira, sair do conto de fadas, para a dura realidade, foi um baque, mas com certeza, faria tudo de novo, e teria mais maturidade. Viver é uma aventura deliciosa, onde aprendemos, ensinamos, tiramos lições muitas vezes inenarráveis... Saber viver é outra história... Aguardem, eu volto...