Carta aberta sobre ela

Caros,

depois de longa - e sofrida - reflexão, compartilho um pouco com vocês sobre ela.

Ela está lá ao meu lado quando eu acordo. Ela divide a cama comigo, e quando eu desperto, uma, duas, três vezes, ela se aproxima de supetão de mim e começa a me sufocar. A me pressionar contra o colchão, sussurrando ao meu ouvido: “vai levantar por que, se pode ficar aqui na cama comigo?”.

Quando enfim consigo me desvencilhar dela, levanto devagar e tento ignorar seus apelos para que eu volte e me sente ao lado dela, que dê toda atenção a ela, enquanto me arrumo e tento organizar meus pensamentos de como será meu dia, meus horários e compromissos.

Quando saio de casa, por mais que eu peça que não, ela vai comigo. Me segura pela mão, e quando entro no ônibus, ela senta até em meu colo. Vai me deixando mal humorado e minha paciência vai ficando cada vez mais curta, a ponto de me fazer tratar mal as pessoas ao meu redor.

Quando chego ao trabalho, digo a ela: “ou você fica do lado de fora, ou fica bem quietinha nos fundos, na área de descanso, fingindo que não existe”. Ela me pergunta se voltarei para vê-la de vez em quando, ao passo que não consigo dizer que não e acabo cedendo. De vez em quando vou até a área de descanso e a vejo e, juntos, compartilhamos um desses momentos em que ela me sufoca.

Sempre que volto ao meu ambiente de trabalho, sinto ainda seu peso sobre meu corpo, mas ao menos me sinto confortável em saber que ela está por ali. Me sinto na minha zona de conforto, e não existe nada para questionar, porque sua presença conforta quem eu sou. Quando me perguntam por que estou agindo daquela forma, desconverso. Finjo que não tem nada de errado, finjo que ela não está ali. Não que ela não possa estar comigo, mas simplesmente não consigo confessar que ela está me acompanhando.

Mas assim que piso fora do trabalho, ali está ela de novo, e já gruda em mim como chiclete bem mastigado gruda em cabelo de criança. Eu evito olhar nos olhos das pessoas que passam por mim por causa dela. Eu evito falar com pessoas, ou qualquer tipo de contato social. Enquanto caminhamos e passamos por pessoas que conhecemos, ou mesmo quando eu penso em determinado alguém, ela já está dizendo pra mim, cheia de veneno: “Por que você está pensando no fulano? Ele nem se importa com você. Não percebe que todos pararam de falar com você? Ninguém nem te pergunta como você está. Acho que você não deve ser importante. Aliás, o que você faz de importante, de relevante, para que realmente as pessoas lembrem de você? Você é feio. Apagado. Irritante. Insuportável. Burro, estúpido, ignorante.” Etc.

De fato, tenho que concordar com ela; são reflexões que fazemos muito juntos. Ao menos ela sempre está ali comigo, e mesmo quando sou abatido por aquela imensa solidão, de uma certeza eu tenho – ela sempre está ali, e parece que sempre vai estar. Tal pensamento, claramente incitado por ela, me causa desespero. Quero contar para as pessoas, dizer “Por favor, tirem-na do meu lado!”, mas o problema é que ela me cala.

E então noto que ela sempre me cala. Por isso talvez eu tenha perdido o contato com tantos amigos queridos meus. Talvez porque ela não saia do meu lado é que não consigo mais fazer as coisas que antes eram não apenas rotineiras para mim, mas fontes de lazer. Por conta de sua sufocante presença que eu me estresse e brigue com meus próximos queridos. Questiono se não é ela que distorce situações para que eu acredite que realmente não sou importante.

Mas é tão difícil. Tão difícil acreditar no contrário, quando ela está sempre tão firme em seu discurso. E é tal difícil falar aos outros que ela está ali comigo, 100% do meu tempo, pedir ajuda para tirá-la dali. Às vezes posso até conseguir escapar dela, distraí-la no meio de uma situação incomum, mas ela sempre me encontra novamente. Ou sou eu que encontro ela? Pode ser que eu realmente esteja acostumado com sua presença e não consiga ficar longe dela por muito tempo. Eu sei, tenho consciência de que é necessária uma atitude firme da minha parte para tirá-la da minha vida, mas ela realmente consegue sugar minhas forças, esperanças, positividades.

Não sei por onde começar, nunca sei como falar sobre ela; só sei que já chega de deixar a depressão controlar minha vida.