Boa Sorte

Ao sair, feche a porta e apague a luz. Ficarei aqui tentando entender como viverei a partir de agora e não veja isso como uma cena barata onde humilhantemente digo que minha existência depende da sua companhia e imploro para que fique. Certamente ouvirei uma música romântica e lembrarei de momentos já esquecidos pela rotina ou pela acomodação, terei a impressão de que foram os mais felizes, na verdade foram até bem comuns. Sempre fomos uma casal comum, com hábitos e desejos próprios de quem cedo entende que o ser humano precisa de outro, é o que nos ensinam e em determinado momento, após as preocupações com futuro e estabilidade, torna-se a nossa maior busca, ao menos foi assim pra mim. Queria a vida classe média, a rotina desgastante, o trânsito enlouquecedor, a volta pra casa, o nosso jantar, falar sobre o dia, assistir o jornal, sexo – se houvesse disposição -, final de semana com os amigos e as insistentes perguntas envolvendo filhos, ter a casa própria e trocar de carro ao menos uma vez a cada dois anos, tudo o que nos identificasse como um casal, um desses que ninguém duvida que é feliz. Acreditei que éramos. Não sofro pela perda, não sofro pela ida, pela porta batendo ou pela escuridão na sala, sofro por não perceber o que acontecia, sofro por pensar que se fui a última a saber, é porque não estávamos mais na mesma sintonia ou como disse, íamos em direções contrárias mesmo supondo estarmos de mãos dadas e dessa forma, ninguém segue. Agora me dou conta, nunca perguntei se queria o mesmo que eu. Comprei uma ideia pronta de felicidade, forjada sabe-se lá por quem e que certamente deve ter funcionado para o seu inventor, pensei que era regra, fomos exceção. Busquei uma estabilidade, mas sem contar com as oscilações do coração – esse sacana faz com a gente o que bem entende. Não custava ter sinalizado de alguma forma, sei que falo demais e você de menos, se pequei por excesso, talvez você por omissão. Em algum momento poderia ter me chacoalhado e dito com toda seriedade que não estava feliz, rotas podem ser recalculadas, destinos podem ser redefinidos, mas não quero fazer disso um julgamento onde certamente teríamos acusações, mas também defesas. Quero ficar como lembrança boa, passagem agradável. Não foi o melhor momento pra isso, estou prestes a menstruar e o que sinto agora é bem parecido com qualquer coisa que nem sei definir - deve ser o efeito dos hormônios, você conhece bem o meu lado dramático. Vou fazer brigadeiro de panela, assistir meu box de “Sex And The City”, ficar deitada na cama até perceber que a luz da sala não acenderá sozinha e preciso estar bem para novamente abrir a porta.

Débora Brun
Enviado por Débora Brun em 15/09/2015
Reeditado em 18/06/2016
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