RESPOSTA A TERCEIRA CARTA
Meu querido
Li e reli a tua carta e confesso que tive dificuldade de iniciar uma resposta. Caso não levasse meu nome, eu se quer desconfiaria que fosse endereçada a mim. Tomando como base o contexto emocional em que me encontro pressuponho que você não queira exatamente parar de sonhar. As entrelinhas estão bem claras, o teu desejo é parar de sonhar em ter o meu amor, ou simplesmente eu ao teu lado. Não fosse a estrutura perfeita da carta eu diria que foi escrita por um menino mimado e birrento, que por não ter seus desejos satisfeitos a sua hora e tempo se joga no chão e chora feito louco pra atrair a atenção da mãe.
Surpreende-me um homem com o seu conteúdo, com a sua maturidade, com a tua perspicácia agir de forma tão infantil e imediatista. Você se declara um sonhador, mas que tipo de sonhador é você? Qual o sonho que não precisa de maturação? Qual sonho que não precisa ser desenhado, ser construído, ser lapidado, para depois ser apreciado com todos os sentidos? Talvez você esteja em uma categoria de sonhador que a minha condição de sonhadora ainda não alcançou.
Sempre tive bem claro em minha mente a diferença entre utopia e sonho. Utopias não servem pra mim, mas os sonhos sempre balizaram minha vida, e todos tiveram de passar por um processo de construção demorado. A parte mais delicada e difícil sempre foi o alicerce. É inegável a satisfação de ver concretizado um sonho. Você se sente meio "Deus" por ter dado forma a algo que a engenharia desconhece, que a arquitetura não alcança, que nenhum artista criou, por que é único, é teu, é exclusivo...
O amor não é uma poesia que gestamos na imaginação e imediatamente a trazemos à luz, com a ajuda dessa parteira tão conhecida chamada pena. Amor precisa ser construído, e toda construção requer tempo, cuidado, e tantas outras coisas que não me vem à mente agora. O que desfrutamos quando ele está pronto é tão somente e unicamente resultado do que construirmos. Não é raro a construção do amor sobre um alicerce frágil, fato constatado na primeira tempestade que o alcançar.
Eu não quero fazer teste drive na tua vida, quero entrar na sua vida com a convicção de que ali é o meu lugar, de que ali é o lugar que eu sempre quis estar e, sobretudo que quero permanecer. Os meus sonhos são "concretos" e eu não suportaria habitar sozinha um "castelo" que foi construído pra dois.
E agora te digo meu querido, pior que a decepção do que poderia ter sido, é a frustração de não saber como usar uma vida que foi construída pra dois, é a frustração de não saber o que fazer com um sentimento que foi construído sob medida pra alguém, é não saber o que fazer com um vazio de proporções alarmantes, que cresce todo dia dentro de você, como um buraco negro, que te toma o corpo, a alma, o espírito, até te arrastar para as profundezas sombrias de tudo que você abominou durante toda sua vida de sonhador.
Meu carinho continua sendo teu.
Edna Frigato
* carta bem antiga. Só postei pra que não se perca no tempo.