Primeira Carta pra Ela
Vinte e três de agosto, domingo. Dia movimentado de trabalho o que me lembrou o domingo anterior ao dia fatídico. A saudade hoje é tão forte depois desses 39 longos dias sem você, tão forte que nem ao menos consigo chorar, e caso isso acontecesse não conseguiria parar. O que me resta é escrever com a esperança de que a dor vá se esvaindo aos poucos com cada palavra, cada espaço. Tenho dito muitas vezes seu nome em minha mente, me acostumando com a terrível ideia de não podê-lo pronunciar e ouvir seu oi como resposta. Tenho tentado falar muito de você com as pessoas ao me redor, me acostumando com a angustiante ideia de que não poderei mais falar pra você dessas pessoas. Pra tentar me poupar das lembranças, ninguém ao menos pergunta sobre você, sem saber que é falando de você que eu me reestruturo, me reerguendo como um muro forte que foi quebrado e cada tijolo posto novamente é aquele momento e lembrança que eu conto. O dia fatídico foi um divisor na minha vida, amiga, desde a frase "ela não resistiu" tanta coisa mudou na cabeça, tantos sentimentos diferentes, tantos valores se desfizeram e novos começaram a surgir. Nunca ouvi antes essas três palavras num contexto que me trouxesse tanto desespero e dor e medo e raiva e dor e lagrimas. Eu tive tanto medo que fosse verdade, depois era fato, era verdade, era maior o medo. Medo do que seria da minha caminhada sem sua companhia, sem sua risada, sem suas lágrimas, sem seus olhares previsíveis, seu jeito único de me dizer um monte de coisas sem sequer pronunciar uma só palavra. Te digo que tudo que fomos uma para a outra, ainda somos. Essa irmandade que construímos pelos anos não pode ser tomado pela morte, ela não tem esse direito.
Tenho seguido minha vida, reaprendi a sorrir e me pego pensando em você grande parte do meu dia. Nos primeiros dias não tinha um segundo sequer que não me vinha à mente uma lembrança sua. Hoje eu te dedico algumas horas, ouço áudios, leio nossas conversas. Nunca tive tanta vontade de voltar no tempo quanto tenho agora, desde o dia do "ela não resistiu", queria só mais um abraço, um beijo no rosto como eu sempre fazia.
Sabe amiga, mesmo passados alguns 39 dias ainda consigo duvidar dessa verdade tão dolorosa. Me desculpe mas eu não consegui ainda visitar sua mãe, ela deve ta me achando uma desnaturada, você me xingaria. Mas não tive condições amiga, passei perto da sua casa e meu corpo inteiro estremeceu, me senti um caco e cacos não visitam ninguém. Não tive também estrutura de visitar seu túmulo, Fê me disse que colocaram uma foto linda sua, claro que colocaram! Ela que é tão mais presente que eu, colocou um cata vento que é a sua cara, tem uma joaninha e tudo, certeza que você ia gostar dele. Prometo colocar uma foto nossa, de todas nós, unidas como sempre fomos. Devo dizer que aquela força toda que você tinha veio da sua mãe, que mulher! Ela nos consolava, você tem ideia disso? Lembra que me disse da tatuagem que você queria fazer?! Faremos por você. Queria te contar mais da vida aqui das criaturas, mas nem tanta coisa aconteceu, e eu preciso contar e desabafar, porque como te disse, as pessoas receiam em me perguntar, não sabendo o quanto eu anseio em contar tudo. E Deus? Perguntei tanto pra Ele o motivo, depois percebi que não saberia, talvez. Qual foi sua missão aqui além de ter sido uma das pessoas mais sensacionais que eu conheci. Qual foi? Você a cumpriu tão rápido. Imagino um reencontro e você dizendo, "ihh já to aqui tem tempo, conheço todo mundo já!" com aquela irritante mania de querer saber primeiro pra depois falar que já sabia. Me conforta saber que todas as vezes que eu quis dizer e demonstrar o quanto eu te amo, eu o fiz. Me conforta lembrar que era claro pra você a importância que tem pra mim. Digo que essa ta sendo a época mais difícil da minha vida, você levou um pedaço do meu coração que era seu e continuou aqui como uma dor, uma lembrança, um sorriso, uma gratidão gigante, você ficou como sentimento bom também. Seu sorriso ficou comigo, sua risada ficou comigo. Mas amiga, inconformada eu pedi e implorei "Oh, pedaço de mim. Oh, metade amputada de mim, leva o que há de ti. Que a saudade dói latejada. É assim como uma fisgada, no membro que já perdi." Mas não, a ideia de te perder por completo é mais insuportável do que a dor da saudade que me deixa sem norte, sem rumo, sem horas, sem expressão. Eu te amo tanto. Espero muito que esteja num lugar bom, um lugar para pessoas boas. "Não se angustie, tudo ficará bem, irmã." Onde você pode estar agora? Eu te amo tanto.