Pai

Terrível é não sentir nada, nem dor, nem amor, nem saudade, falar com o coração vazio. Recitar uma bula de remédio causaria em mim mais emoção. Não me culpe, eu também não te culpo. A vida nos afastou e olha só que ironia, o milagre da vida foi o que nos uniu, não nos restou escolha, mas devemos admitir, algo deu errado, nos perdemos, ou nunca nos encontramos. Talvez o seu jeito frio, no que confesso sermos parecidos, talvez os milhares de conflitos internos que me consomem tornaram-me egoísta demais, trancaram-me em meu mundo e nunca permiti que entrasse ou sequer pensei em dar uma volta no seu. Conhecê-lo, descobri-lo, surpreender-me ou decepcionar-me, não importa, ao menos lembraria em algum momento, nem que fosse quando me perguntassem qual a pessoa que mais odeio na vida, diria você e pode até não parecer, mas isso seria bom. Faria parte de mim, seria real, capaz de despertar uma reação qualquer. Até a imagem do seu rosto vai sumindo da memória aos poucos, como uma foto antiga consumida por traças. Cheguei a confundir ausência com saudade, mas saudade a gente só tem do que viveu, o que eu tenho são espaços vagos que não podem mais ser preenchidos. O tempo passou e passamos um pelo outro, é tarde. Desculpa, eu não consigo te amar, mas não odeio. A única coisa que sinto é essa vontade insuportável de sentir.