Querido Estranho

Ontem te vi mais uma vez. Ainda não nos conhecemos, mas vou contar como te conheci. Numa manhã que parecia igual a todas as outras, atrasada, como em todas outras, resolvi pegar um atalho por uma ruazinha que sempre observei, mas nunca tive a curiosidade de explorar, achei que fugiria do semáforo e ganharia tempo. Ganhei mais cinco minutos de percurso, descobri que estava enganada e te descobri. E depois de aumentar o trajeto até o trabalho exclusivamente para passar por essa rua e olhar pra você, cheguei a conclusão que nunca me notou, prefiro pensar assim a imaginar que me viu e não sentiu o mesmo encantamento. Você não me perece o tipo que mudaria o caminho simplesmente para olhar por exatos sete segundos para um completo estranho, sim, eu cronometrei - acho que sete segundos são suficientes para tentar chamar a sua atenção sem parecer uma louca , e não, eu não sou maluca, talvez um pouco, mas quem não é? Sou do bem. E só sei querer bem. Acho curioso um homem tão bonito, sozinho todas as manhãs numa praça, na verdade, acompanhado do seu cachorro, amo animais, mas me refiro a uma companhia humana, esposa, namorada, quem sabe filhos, o que para mim é um ótimo sinal. Qual seria sua profissão? Quem sabe um escritor em busca de inspiração, observando, colhendo histórias, criando tipos, se for isso, perdoa meus erros de escrita, sempre fui melhor falando, mas daria uma ótima personagem. Pode ser um empresário, que não tendo patrão, permite-se uma volta com o amigo canino antes das obrigações corporativas; um policial à paisana em meio a uma investigação sobre tráfico de drogas ou coisa parecida, seria excitante. Talvez esteja de férias, mas aí certamente teria viajado e não estaria há duas semanas sentado num banco olhando seu cão fazer xixi. Duas semanas. É o tempo que dura essa nossa relação, se assim posso chamar, unilateral ainda. Não por falta de vontade, coragem talvez. Você é serio, isso me atrai, passa um ar de mistério. Queria desvendar. Queria descer do carro, passar em frente ao banco, brincar com seu cachorro - espero que não morda. Ao perguntar o nome dele, perceberia se o tom da sua voz seria receptivo, se iria sorrir. Perguntaria as horas, se questionasse o enorme relógio no meu braço esquerdo, fingiria esquecimento, perceberia que inventei uma mentirinha boba pra chamar sua atenção e sei que ficaria lisonjeado. Talvez eu faça isso, mas não hoje. Meus sete segundos acabaram.

Débora Brun
Enviado por Débora Brun em 19/08/2015
Reeditado em 14/06/2016
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