Não me leve a mal

Não me leve a mal, mas pra mim acabou. E não quero dizer que foi ruim, só não está sendo bom, não mais. Quem determinou que as melhores coisas da vida deviam durar para sempre? Acho que devem durar enquanto são boas e ser interrompidas no exato momento em que ameaçam deixar de ser. Vivemos o mais longo amor, ao menos pra mim que tinha como recorde um relacionamento que durou exatamente 364 dias, terminei com ele no dia 11 de junho, véspera do dia dos namorados. Não me julgue, eu tinha 18 anos e confesso, estava "duraça", além disso, não existia mais nenhum sentimento, a paixão tinha acabado, o amor não veio e nem o sexo era mais o mesmo, não dava pra adiar - mas a falta de grana pro presente ajudou. Começaria então uma jornada em busca de novos amores e sensações. Conheci muita gente, muita gente me conheceu, beijei muitos homens e duas mulheres. Doei-me e dei, algumas vezes no primeiro encontro, em outras, fiz charme, esperei até o terceiro, insegurança de mulher, mas nem todos tiveram a chance de conhecer aquele sinal de nascença que você sabe muito bem onde fica. Sabia que não tinha condições emocionais de me dedicar a nada que não fosse efêmero, até conheci quem me fizesse balançar, supor estar apaixonada, mas a ideia de total intimidade me parecia um tanto radical. Gosto de compartilhar, de trocar, mas sem me juntar demais, sem me comprometer. Nunca tive tipo definido. Surfista, advogado, metaleiro, um jogador de futebol de um time de terceira divisão, um chefe de cozinha um pouco mais velho, um professor vegetariano, um ator de teatro que era bissexual, um cantor de barzinho... e você. Não esqueci, apenas não rotulei, não conseguiria te definir. Você foi tudo o que eu queria exatamente quando eu precisava. Ainda não tinha conhecido alguém tão parecido comigo, tão independente e desapegado, aprendemos juntos a arte da convivência a dois, ou tentamos, você conseguiu, eu não. Eu não sei o que acontece, parece que esse recurso de autossabotagem, é exatamente o que me impede de fixar residência, de criar raízes. Nos vi tão próximos, tão juntos, tão um só, que percebi que você estava só. Não embarquei no sonho da vida feliz, nos planos da família de comercial de margarina, o almoço de domingo na casa da sogra ou a chegada das crianças. Sei que sou uma boba, sei que posso me arrepender, certamente no dia do seu casamento com a mulher que conhecerá nos próximos meses, semanas ou até mesmo dias, surgirei como a Julia Roberts, naquele filme da Sessão da Tarde, tentarei de todas as formas te mostrar o quanto errei por ter escrito essa carta e tê-la deixado em cima do seu travesseiro. E ainda nem temos um tema de amor. Talvez será tarde demais. Talvez o seu amor por ela seja grande demais. Talvez ela irá te merecer bem mais do que eu, uma louca, mutante, indecisa e agora, solteira. Não, não conheci ninguém, só quero me conhecer.

Débora Brun
Enviado por Débora Brun em 19/08/2015
Reeditado em 14/06/2016
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