Minha última conversa com ele.

Minha última conversa com ele aconteceu no quintal da nossa casa. Era quase meio da tarde e eu estava ali conversando com ele sem imaginar que seria a nossa última conversa.

Naquele dia eu entrei pelos fundos da casa carregando uma panela com um pouco de feijão que Dona Bela havia me dado. Quando me deparei com ele no quintal, fui parada e questionada sobre o que havia na panela. Prontamente, ele cheirou o feijão, disse que estava estragado e mandou que eu jogasse fora. E assim eu fiz, joguei o feijão na caixa do ralo e ele ficou olhando. Depois disso eu fui para casa da minha irmã mais velha. Ela morava em frente ao depósito (estabelecimento comercial do meu pai).

Minha irmã estava com poucos mais de um mês que havia tido bebê e eu estava lá para ajudá-la. Na verdade, estava encantada com aquela criancinha tão pretinha. Naquele momento eu estava olhando Juliana dormindo no berço quando ouvi um disparo que parecia uma explosão de bomba. Depois ouvi Joinho latir bem alto, a porta bater e minha irmã gritar desesperadamente. Fiquei assustada, pois a porta bateu e eu não sabia o que estava acontecendo lá fora. Logo depois minha irmã entrou em casa, mas eu não lembro quem abriu a porta. Só recordo que eu saí e fui em direção ao depósito. No caminho, achei os óculos de meu pai, quebrados e sujos de sangue (abaixei e peguei, sujando a minha mão direita de sangue). Em seguida, entrei pelos fundos da casa fazendo uma oração. Depois não lembro mais de nada.

Contam que meu pai morreu dentro do carro a caminho do hospital. Disseram também que ele fez uma petição nos seus últimos momentos de vida. Delirando, ele olhava para um dos seus filhos que estava no carro e o chamava de Rogério, seu neto primogênito.

Olhava, via Rogério e dizia: Rogério, se sua mãe se mudar, não vá com ela não, fique em minha casa. Rogério, não vá embora com ela, não, fique em minha casa, Rogério.

Meu pai foi cruelmente assassinado (vítima de latrocínio) em 05 de dezembro de 1983.

Sua última petição foi atendida e a nossa última conversa não foi esquecida, ainda permanece viva na minha memória.

Salvador, junho de 2015.

Verônica Almeida.