CARTA ABERTA A MEU PAI
Tu que abdicaste e partiste, com 18 anos, da estrutura feudal da tua família de origem, creio que agora, já há quase três décadas no Outro Plano, possas compreender as consequências do que não fiz no tempo de fazê-lo, meu pai.
Tu – sabes agora – também eu, à tua semelhança, precisaria ter partido, com 20, mesmo com 30 anos. Se eu tivesse partido, para me construir, para construir-me um mundo, meu mundo, tu sabes que eu teria voltado, para cuidar de tudo que, afinal, me coube e me cabe cuidar. Tu sabes que eu teria voltado, mas, construída por mim, em mim. Sabes que eu teria voltado, pai.
Não parti, pai, nem aos 20 nem aos 30 anos; aí ficou tudo muito tarde. Não tive coragem para me construir, nem para construir-me um mundo. Sei que disso, em primeira e última análise, não cabe responsabilidade efetiva a ninguém, senão a mim mesma. Senão a mim mesma, pai.
Não falo de falta de amor. A meu modo, sei que amo e tu o sabes, também. A meu modo, tenho permanecido fiel; também disso sabes, meu pai.
Estou frágil, pai, em todos os sentidos, mais frágil do que qualquer palavra possa dizer. Vivo do jeito que posso, do jeito que consigo, este destino que, afinal, eu mesma, sem sabê-lo nem suspeitá-lo, determinei para mim. Em verdade, pai, não compreendo mais quase nada das coisas todas; escapa-me o sentido de tudo, ou de quase tudo; é como se eu não pertencesse mais a este mundo e todas as linguagens se tenham tornado estrangeiras para mim, principalmente a minha própria linguagem. E a sensação de não mais pertencer a nada e de não ser mais reconhecida por quase nenhuns dos meus companheiros de viagem nesta vida – talvez sintam eles o mesmo: não reconhecidos mais, por mim.
Pai, preciso encontrar forças para continuar a servir e, para isso preciso encontrar, neste presente tempo, força e vontade para servir-me, de algum modo, a mim. Vontade e força para servir-me a mim, no ainda possível de me servir porque sem abdicar, é claro, da honra e dos princípios que aprendi contigo, meu pai. Sem abdicar do amor por ela, do amor e da proteção a que ela tem direito. Sei que tu, pai, me podes, efetivamente, compreender.
Estou só, meu pai. Inacreditavelmente, infinitamente... com uma mulher da família, e mais algumas poucas, quase nenhumas, amigas que permanecem solidárias (na chamada vida "real"); sabes, perfeitamente bem, que preciso calar-me a partir daqui, deste momento, no presente texto. Não sei, não consigo tomar em minha alma, segurá-lo nela, inteiro, cumpri-lo com todo o meu ser, deveras, o destino que me coube, o destino que me restou, que é tudo o que me restou até agora, para viver. Sei que, dentro de mim, eu escapo dele, desse destino... Só dentro de mim, que fora... Sei que corro o risco de ser execrada por isso que escrevo aqui.Tu sabes. Que o Deus ao qual me confio me perdoe e tenha piedade, por eu escrever coisas tais. Está muito difícil. Apesar de teres sido ateu - como ateu um dos melhores cristãos que conheci - eu te peço a bênção, meu pai. A bênção. Sabes que tenho cumprido tudo o que me têm permitido minhas parcas forças... há muito, muitíssimo tempo, já. Tu sabes, meu pai.
Tu – sabes agora – também eu, à tua semelhança, precisaria ter partido, com 20, mesmo com 30 anos. Se eu tivesse partido, para me construir, para construir-me um mundo, meu mundo, tu sabes que eu teria voltado, para cuidar de tudo que, afinal, me coube e me cabe cuidar. Tu sabes que eu teria voltado, mas, construída por mim, em mim. Sabes que eu teria voltado, pai.
Não parti, pai, nem aos 20 nem aos 30 anos; aí ficou tudo muito tarde. Não tive coragem para me construir, nem para construir-me um mundo. Sei que disso, em primeira e última análise, não cabe responsabilidade efetiva a ninguém, senão a mim mesma. Senão a mim mesma, pai.
Não falo de falta de amor. A meu modo, sei que amo e tu o sabes, também. A meu modo, tenho permanecido fiel; também disso sabes, meu pai.
Estou frágil, pai, em todos os sentidos, mais frágil do que qualquer palavra possa dizer. Vivo do jeito que posso, do jeito que consigo, este destino que, afinal, eu mesma, sem sabê-lo nem suspeitá-lo, determinei para mim. Em verdade, pai, não compreendo mais quase nada das coisas todas; escapa-me o sentido de tudo, ou de quase tudo; é como se eu não pertencesse mais a este mundo e todas as linguagens se tenham tornado estrangeiras para mim, principalmente a minha própria linguagem. E a sensação de não mais pertencer a nada e de não ser mais reconhecida por quase nenhuns dos meus companheiros de viagem nesta vida – talvez sintam eles o mesmo: não reconhecidos mais, por mim.
Pai, preciso encontrar forças para continuar a servir e, para isso preciso encontrar, neste presente tempo, força e vontade para servir-me, de algum modo, a mim. Vontade e força para servir-me a mim, no ainda possível de me servir porque sem abdicar, é claro, da honra e dos princípios que aprendi contigo, meu pai. Sem abdicar do amor por ela, do amor e da proteção a que ela tem direito. Sei que tu, pai, me podes, efetivamente, compreender.
Estou só, meu pai. Inacreditavelmente, infinitamente... com uma mulher da família, e mais algumas poucas, quase nenhumas, amigas que permanecem solidárias (na chamada vida "real"); sabes, perfeitamente bem, que preciso calar-me a partir daqui, deste momento, no presente texto. Não sei, não consigo tomar em minha alma, segurá-lo nela, inteiro, cumpri-lo com todo o meu ser, deveras, o destino que me coube, o destino que me restou, que é tudo o que me restou até agora, para viver. Sei que, dentro de mim, eu escapo dele, desse destino... Só dentro de mim, que fora... Sei que corro o risco de ser execrada por isso que escrevo aqui.Tu sabes. Que o Deus ao qual me confio me perdoe e tenha piedade, por eu escrever coisas tais. Está muito difícil. Apesar de teres sido ateu - como ateu um dos melhores cristãos que conheci - eu te peço a bênção, meu pai. A bênção. Sabes que tenho cumprido tudo o que me têm permitido minhas parcas forças... há muito, muitíssimo tempo, já. Tu sabes, meu pai.