Uma distração fatal

Já faz muito tempo que, em uma cidade totalmente desconhecida pra mim, eu encontrei você e nunca mais te esqueci. Aconteceu em um daqueles momentos em que a gente precisa usar nossa reserva, nesses momentos sociais em que o silêncio e a solidão nos invadem e nos distraem, levando embora o nosso olhar e a nossa atenção, como se fosse uma necessidade carnal do espírito. Foi bem assim que eu te vi sem olhar e você me viu. É que quando te descobri na multidão, você já olhava pra mim. E era um olhar tão firme e tão doce, que me prendeu até o fundo da alma.

Olhei ao meu redor para desfazer os enganos de ser o premiado por aquele teu inesperado olhar. Mas ele era mesmo pra mim. Você parecia emanar uma alma inteira por aqueles teus olhos vivos e castanhos, cravando-a profundamente em meu espírito. A multidão ao redor era grande e barulhenta, e mesmo assim o teu olhar não parava de me segurar, até que você desapareceu, levada por outras pessoas.

Isso foi há muito tempo e eu não esqueci. Não porque eu tente não esquecer. É que, de vez em quando, sua imagem simplesmente invade a minha mente, com toda aquela força que emanou de você pra mim, naquela noite. E eu sei bem que é impossível te encontrar novamente. Eu nem sei o teu nome, não faço ideia de onde te procurar, nem mesmo essa tua imagem eu gravei direito. Faz tanto tempo... mas apesar dessa desolação, desse fracasso, o que você me deu eu não pude mais perder. Você me abençoou com um tipo único de esperança. É que agora, apesar da tua ausência, você me deixou pra sempre com uma misteriosa presença em mim.

Moça da cidade desconhecida, da solidão em meio à multidão, eu nunca me esqueci de você. E quem dera você soubesse. Quem dera pudesse te dizer tudo isso que você não sabe e que nunca vai saber. Fico imaginando onde poderá estar agora. Em alguma casa simples, deitada no sofá? Sorrindo? Apressada em direção a algum compromisso? Distraída numa conversa de amigos? Pensativa? Não, eu não sei como você está. Mas o que você deu pra mim, essa tua presença constante e tão absoluta, isso eu não consigo mais perder.

Foi um tipo de ilusão que, como todas as outras fantasias, é tão real. E isso tudo é mesmo tão real que, ainda que não esteja de fato aqui comigo, você demonstra uma magistral vontade própria, aparecendo sempre quando quer, e de surpresa. E eu me surpreendo toda vez com essa tua enigmática insistência em voltar, com essa tua capacidade de ir e vir sem nunca deixar de ficar. Voltas que te fazem tão viva dentro de mim...

E como eu queria. Queria tanto que você soubesse que nesse mundo maldito em que tudo o que é tocado por mim desaparece, você ainda permanece dessa forma em mim, com toda a tua imortalidade forjada em meu espírito, uma segunda existência tua, num só instante lançada eternamente sobre a minha solidão.