Carta a um intrigado

Da terra dos seus avós pioneiros...

Apesar da nossa distância verbal que nos separa há anos, não tive como manter a minha velha palavra. Os recados não valeram muito e mando este último registrado em cartório. Aviso ainda que se o apelo não progredir, farei uso da justiça. Você não é obrigado a ler isso e nem a ouvir. É por sua conta e risco! Caso amoleça o orgulho e mesmo assim não queira ler, peço então que alguém leia por você caso seja o caso.

Então, vamos ao que se passa: a cerca velha de pedra já não cerca mais, posto que abandonada e sem roço, não para fogo nem criação alguma. Todos sabem disso inclusive você, quando discutíamos sobre o fato há mais de 30 anos atrás. Naquela ocasião, você prometeu de substituir a velha cerca de pedras por estacas e arames e falou ainda que tal cerca estaria sobre um eito largo e limpo. Mas sua promessa não foi cumprida. A causa maior de nossa intriga foi isso mesmo; melhor dizendo, a rês sua que eu abati por surrupiar o meu canavial. Não se preocupe, jamais comi de sua carne: doei-a ao canil da cidade. Além do mais, o valor de sua ausência já foi ressarcido ao seu bolso mesquinho.

Continuando, aviso que a parte minha agora virou uma APA e que o fogo ateado no pasto e os animais rebeldes não podem passar mais para as minhas terras. A justiça já está prontificada para agir, caso a nossa conversa não produza frutos; dessa forma, em breve lerá a carta do Oficial.

Reitero que faça a cerca e o aceiro.

Chã do Alto, 15 de novembro de 1991.

Bosquim
Enviado por Bosquim em 06/07/2015
Código do texto: T5301674
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