Depois que seu carro arrancou na rua

Percebi que estou há uns vinte minutos encarando a parede branca na minha frente. Talvez eu já tenha parado de pensar no que me fez perder o olhar distante e só consigo enumerar as sujeiras e marcas de patas e pés nessa tal parede. Mas volto a mim: afinal, onde estou?

A forma a qual você saiu daqui. A forma a qual você, pela milésima vez, me deixou falando sozinho, não parou de tagarelar enquanto eu tentava sensatamente argumentar com você. Mas você simplesmente pegou o carro e daqui da sala ouvi o pneu cantando na rua.

Mas então quando eu te chamo de histérica, quando eu perco a calma, quando eu consigo dizer alguma coisa - porque quando eu grito você silencia, você me escuta - mas então enquanto eu berro sem ver a quem, lágrimas rolam pelo seu rosto.

São esses momentos. Nesses momentos eu não sei quem eu sou. Eu não sei quem nós dois somos, e o que caralho pensamos estar fazendo juntos. Porque, tirando esses momentos de gritaria, portas batendo, suor e lágrimas, o que sobra?

Onde estão aquelas cenas bobinhas e românticas que projetei na minha cabeça de como seria um relacionamento a dois? Onde estou eu, o que é isso aqui? Quem sou eu? Com você, aqui e agora, eu não sou eu; não sei quem é esse cara troglodita que grita porque quer ser ouvido. Logo eu, que sempre sempre preferi calar. Deixar de argumentar para não roubar a paz de um momento, de uma pessoa. Logo eu que achei que fosse capaz de fazer de tudo só para ver seu sorriso. Esse cara tá aqui sentado no meu lugar, olhando para essa parede, ouvindo seu carro partir pela milésima vez – mas dessa vez sem mexer um músculo, sem querer mais nada – exceto voltar a ser quem era antes de você.

L Dias
Enviado por L Dias em 23/04/2015
Reeditado em 23/04/2015
Código do texto: T5217668
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