AS PALAVRAS CANSADAS - À grande poeta e amiga Eunice Arrruda
REPUBLICAÇÃO - Escrita de 06 de dezembro de 2013



 
        As palavras se cansaram de mim, amiga. Sei que tu, uma das maiores poetas contemporâneas deste país, sabes bem do que falo. Tu, que puseste tua vida a serviço delas, das palavras, sabes bem o que significa esse cansaço delas, palavras, em mim, em mim que não ouso - nem posso - dizer nada efetivamente claro sobre mim, principalmente não ouso afirmar-me, com alguma convicção, que eu seja realmente poeta. Aliás, sei que sou nada, mesmo; sempre achei que, quando Fernando Pessoa escreveu isso, em última análise tal afirmação não passava do famoso fingimento poético, ainda que o poeta se acreditasse mesmo esse nada, e não é possível crermos realmente nisso: ele sabia muito bem quem era e o que valia. Não assim em mim: quando digo que sou nada, isso não é retórica. Nem por isso morro ao dizer isso. Nem por isso morro, assim como não se morre de amor. Se se morresse de amor, não estaria eu aqui escrevendo estas bobagens.
        Sei que também estás vivendo um tempo de cansaço, amiga, mas, sei também que as palavras nunca te deserdarão, poeta. Se puderes, faz uma prece por mim. Faz uma prece por mim, que sou nada e ninguém.