Uma carta na gaveta

Esta seria apenas mais uma carta de amor se houvesse cumprido seu destino.

Mas ela jamais lhe foi entregue, querido amor.

Esta carta terá seu limite no fim das minhas palavras. Que eu escolhi em minha boca calar, apenas para gritar em poesia.

Assim escrevendo em segredo, chegarão apenas a quem procurar e não mais aos ouvidos que sempre escolheram minhas palavras ignorar.

Despedaço aqui minha angùstia em palavras soltas, assim aos poucos tiro do peito o peso dessa mágoa. Como um antigo castelo morada, ruindo tijolo a tijolo pelo caminho do tempo.

Você precisou partir e, deixada aqui, escolhi matar-te em mim.

Sobraram as lembranças da vida a dois. Das coisas simples de uma breve e gostosa parceria.

Das mãos dadas ao caminhar. Do abraço leve e morno ao dormir. Do sorriso preguiçoso ao acordar, acompanhado de um baixo e rouco desejo de um bom dia.

Das conversas ao final da tarde. Das brincadeiras na cozinha ao preparar o jantar ou aquele brigadeiro de chocolate amargo que devorávamos com um bom filme europeu.

Dos beijos regados a vinho tinto que aqueciam nosso amor. E das risadas que dividíamos quando me fazia cócegas sem avisar.

Dos olhares carinhosos ao encontrar e das mensagens de amor em cada despedida.

Na vida, todo presente vira passado. Todo momento vivido vira uma lembrança.

Algumas vezes, um momento feliz precede outro. No entanto, algumas vezes eles apenas existem para que a saudade possa nascer.

Eu não verei mais teus olhos. Eu não beijarei mais teus lábios. Não acordarei procurando teu rosto e, tampouco, velarei teu sono em minhas noites de insônia.

Mas visitarei meu amor todos os dias em meu coração, até que as flores cresçam novamente no jardim lá fora.

Entregarei um abraço a cada dia, sem me importar com a distância. Amarei em segredo até que o tempo apague tudo que resta.

E de você, amor, ainda me resta o bem querer e a dor da sua falta que, aos poucos, se torna uma dor branda e constante, até se tornar apenas uma completa lembrança de um passado.