O MILAGRE DA CRIAÇÃO

“Fico feliz que sentes alegria em receber meus comentários. Sabes, tem gente que já apagou inúmeros comentários meus porque, segundo disseram, não tem nada a ver com o texto... Alegam que são pessoais demais.”.

Abraço. Maria.”

Amadinha! Eu até entendo o que o autor do texto comentado deve perceber: tu não vês o texto e, sim o que ele te diz, aquilo que ele te confidencia, e que é bem diferente do que o que ele, o criador, quis dizer.

E isto é muito comum entre os iniciantes: os que ainda babam em cima do processo de entendimento e de criação. E haja 'babeiro' pra toda esta jactância.

Quando o leitor noviço se impressiona com o texto lido, ele nada cria pessoalmente, coloca-se no lugar do autor e fala como se fosse ele.

Por vezes, a intimidade com que o leitor trata do tema, recriando o que foi dito, exclui o autor, principalmente se ele for novato também. E o egoísmo pessoal de um exclui o do outro.

É por este vetor que o autor novo não vê o outro: ele ainda está embasbacado com o milagre da criação. É a possessão sobre aquilo que se pensa somente à sua conta e ordem. De seu domínio e azo.

O criador, possesso, não reconhece a figura do outro pólo da criação: o leitor. E é pra este que ele tem de escrever.

O leitor é que vai levar a mensagem para a posteridade, mas não a leva direto, ele procura instrumentalizar o que foi dito pelo criador original.

Voltando sem delongas aos teus ‘comentários’ no Recanto das Letras: Procura comentar, analisar o texto de outrem admirando a obra como terceiro, exercitando a figura de simples leitor, e verás que nem tudo o que impressiona resiste a uma leitura posterior.

É nesta ocasião em que a Razão vai te confidenciar o que ficara de fora num primeiro instante. Aquilo que comove num primeiro momento, que nos emociona, pode ser circunstancial.

Só pra exemplificar com algo muito comum à juventude: quantas vezes o amor, com o passar do tempo, se torna caricato, risível...

O novo nem sempre resiste ao Tempo.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2007.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/517713