CARTA ABERTA AOS MORADORES DE BOA VIAGEM
Resolvi escrever essa carta para protesta, e enviei para uma porção de amigos do bairro e de ex-moradores que hoje moram em outros lugares do pais e fora dele. Já protestei anteriormente, em outro artigo, mas dessa vez, está implicita a comemoração de seu aniversário
Pois bem, o Bairro de Boa Viagem em Recife está fazendo 300 anos hoje. Houve protestos e comemorações. Pela manhã, 100 cruzes foram fincadas na areia, em protesto contra a violência. Que foram noticiados pelos grandes telejornais do pais, no dia de ontem, 06 de Junho de 2007. À noite, o Prefeito João Paulo cortou um grande bolo, com direito a frevo, fogos de artifício.
É um grande bairro, com uma praia muito bonita, cartão postal de Recife. Com os melhores hotéis da cidade, bairros e restaurantes, e se não me falha a memória um dos maiores centros de compras do país, que é o Shopping Center Recife. Com a maior arrecadação em IPTU da cidade, e isso já nos faz perceber a grandeza do bairro. No entanto, apesar de todas as características de bairro de classe média a rica, também tem suas desigualdades sociais. Várias favelas circundam o bairro, e a maioria dos marginais se esconde nelas. Claro que há gente de bem, trabalhadores, que moram nelas por contingências. Percebemos a falta de educação de todos, tanto dos que moram nas invasões, que utilizam os canais para despejar lixo, como pelos moradores, que jogam lixo das janelas dos carros, e mesmo dos ônibus.
O pior é conviver com o mau cheiro. A pracinha de Boa Viagem, com a sua “feirinha” é suja. As barracas estão fora do padrão. A Avenida Boa Viagem em vários locais à fedentina de urina é gritante. Saibam que há banheiros públicos em toda a orla. A prefeitura limpa, a bem da verdade. Vemos moradores que colocam o lixo do outro lado da rua, nos terrenos baldios, etc., mas pior mesmo, é andar pelas ruas do bairro, e constatar que o bairro inteiro é um cocódromo. Creiam, se me virem cabisbaixa, andando pelas ruas, é simplesmente para não pisar você sabe no que, e, não por estar em depressão.
Além dos bandidos que assaltam indiscriminadamente, a qualquer hora do dia ou da noite. Temos agora, pela frente, o futuro Parque Dona Lindu, que é um ponto de discórdia entre os moradores próximos a área. Um deslumbrado queria promoção e foi buscar um projeto de Oscar Niemayer. O que aconteceu com os arquitetos daqui, o que aconteceu com os técnicos da UFPE que sabem da realidade social e sobre a ação do homem, do impacto ambiental que um projeto dessa monta pode acarretar?
Tudo o que queríamos era um parque, arborizado, sem barracas de artesanato, comidas e bebidas, para o lazer dos moradores do bairro. Um lugar para idosos freqüentarem com maior segurança, com bancos e jardins. Não queremos um parque igual ao da Jaqueira, queremos um parque com a cara do bairro, no entanto, muito diferente da selva de concreto. Queremos tranqüilidade, já não basta o ruído dos aviões, do trânsito pesado de carros e ônibus, ainda querem que encaremos um parque de eventos, que tornará o local ainda mais barulhento, um caos?
Porque a prefeitura não regulamenta a expansão dos edifícios que estão cada vez mais altos, e que no futuro provocará o aquecimento do bairro, formando paredões de concreto, impedindo a passagem da brisa do mar? Mas, isso significa maior arrecadamento de IPTU, e quem pode contra as grandes construtoras? Porque não há um estudo que os poderes constituídos respeitem quanto ao peso que essa multidão de edifícios que foram e estão sendo construídos.
O bairro não agüenta mais construções. Andar de carro está difícil. Moro em Setúbal, e sabem quanto tempo gasto para percorrer 6 quilômetros de ônibus, sem engarrafamento? Exatos 20 minutos. De casa para Universidade Católica dá em torno de 15 quilômetros, levo em média, 40 minutos, em dias em que não há engarrafamento, apenas o trânsito habitual.
Mas, que tal falar da prostituição? Do corredor de prostitutas que se postam e se fixam na Avenida Domingos Ferreira e Conselheiro Aguiar? E os miseráveis que vem do interior e se postam na Jequitinhonha todos os finais de semana? Com crianças pedindo entre os carros que trafegam e os limpadores dos sinais?
Quando cheguei em 1982 para morar no bairro fiquei horrorizada em ver os favelados abrindo os sacos de lixo dos edifícios para catar alimentos. Nunca tinha visto tanta miséria, e ainda hoje isso é uma tônica.
Espero que nesses 300 anos de comemoração que os moradores, as autoridades competentes, comecem a agir, que o Conselho Tutelar use de rigor com pais que jogam seus filhos na marginalidade, fazendo-os mendigar. Que a Prefeitura deixe dessa visão de grandeza e dê o que o bairro precisa: fiscalização, cobrança para que todos cuidem do bairro em que moram, que cumpra seu papel, que o Poder Público cuide para que a marginalidade não assuste ainda mais os moradores, que já são reféns e cujas residências tornaram-se suas celas, pois temos medos de sair de casa.
Isso é o que eu quero do bairro que eu moro. E você?
Recife, 06.006.07